sábado, 29 de junho de 2013

30 de junho de 1988 – A última batalha do Velho Guerreiro

Por: Alice Melo

Sem buzina, bacalhau, ou estardalhaço, morreu um dos maiores comunicadores da TV brasileira: Abelardo Chacrinha Barbosa. O humorista, cujo programa Cassino do Chacrinha obtia os maiores índices de audiência televisiva nas terdes de sábado, não resistiu a um infarto no coração, aos 70 anos de idade.


Balançando a pança, buzinando a moça e comandando a massa, o Velho Guerreiro, como chamou-o carinhosamente Gilberto Gil, tornou-se quase um sinônimo da TV brasileira na década de 80. Seu humor anárquico, barulhento, mal comportado e desestabilizador sempre foi um sucesso popular, mas demorou a obter status cultural.

“Os intelectuais me esculhambavam. Foi só em 67, quando um sociólogo francês veio ao Brasil e me chamou de comunicador, que começaram a prestar atenção em mim”, comentou Chacrinha em uma de suas entrevistas.

Pernambucano, filho de pais pobres, o velho realmente era guerreiro. Com medo de voltar à miséria, Chacrinha acompanhava toda semana seus índices do IBOPE para ter certeza que o seu sucesso continuava. Esse sucesso barulhento e agitado, no entanto, não começou na telinha, mas sim no rádio.

Numa pequena emissora de rádio, Abelardo criou sozinho um programa que parecia uma festa – das mais barulhentas – ao vivo. Como esta rádio funcionava numa chácara, seu programa ganhou o nome de Cassino do Chacrinha. Logo passou para a Rádio Continental e daí, um breve caminho até a Tupi.

Quando estreou na TV, em 1956, manteve o mesmo clima que o deixara famoso. E deu mais do que certo. Em A Discoteca do Chacrinha, da TV Tupi, surgiram os elementos através dos quais seria lembrado: as fantasias, o bacalhau, as dançarinas. Isso tudo acompanhou o mestre pelas décadas seguintes, contribuindo para que ele fosse considerado o pai do Tropicalismo.

Em seus últimos meses de vida, Chacrinha se manteve afastado das telas de TV, por conta de um câncer de pulmão, mas persistiu em seguir gravando, mesmo que pouco, para que sua estrela nunca se apagasse. E, até hoje, ela se mantem acesa.

Fonte: Blog Hoje na História. CPDOC/Jornal do Brasil. Disponível em: http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.php?blogid=57&archive=2010-06

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Algo está acontecendo por aí

Por: Juremir Machado da Silva
Fonte da imagem: site Yahoo!
Ouve-se um urro vindo das ruas. Algo está acontecendo por aí e nada foi previsto nas análises dos especialistas. Algo está acontecendo por aí e não se enquadra no figurino das interpretações políticas acadêmicas. Algo está acontecendo por aí e tem a força de um tsunami, a violência, por vezes, do ressentimento, a alegria, quase sempre, das festas colossais e inesquecíveis, a criatividade dos momentos de ruptura e a persistência, quem sabe, fugaz, mas devastadora, de uma avalanche, de um tornado, de um terremoto, de uma lava subterrânea incontrolável e que encontrou o caminho da superfície, de uma tempestade de verão, uma verão fora de época, no outono, no inverno, que supera os seus limites, inventa novas realidades, semeia poesia, utopia e acende esperanças.
Algo está acontecendo por aí e tem a marca das redes, essas cadeias sociais que até há pouco nem existiam, a marca da democracia direta, aquém e além dos partidos, aquém e além dos poderes constituídos, aquém e além das sombras silenciosas, um rugido,  um rastilho de vozes, um clamor, uma indignação contra o velho, contra o falso novo e contra os oportunistas que tentam infiltrar o velho no novo. Algo está acontecendo por aí e se volta contra a sociedade “midíocre”, conservadora, reacionária, moralista e amiga do poder econômico que funciona como sistema de hierarquia social. Algo está acontecendo por aí e pode ser visto, talvez, como mais um sinal da “passagem ao hiperespetacular”, um grito contra a espetacularização da política por meio de uma aceleração, um basta à greve das metamorfoses ancorado no retorno das massas ao palco da vida, as ruas.
Algo está acontecendo por aí e não se trata, como desejam alguns, de uma nostalgia da ditadura, nem de uma confissão de amor ao egoísmo e ao horror econômico do neoliberalismo caduco, tampouco de uma adesão tardia ao “melhor dos mundos” marxista, muito menos de um repúdio aos avanços sociais duramente conquistados pelo Brasil. Algo está acontecendo por aí e não se trata de um diagnóstico de que estamos em nosso pior momento, mas, possivelmente, de que mesmo no melhor temos tanto do pior, esse pior historicamente reproduzido, que chegou a hora de tomar as rédeas e exigir o grande salto sobre o abismo das desigualdades, da hipocrisia, dos conchavos, dos formalismos jurídicos aplicados quando convenientes e da politicagem fétida em nome da governabilidade.
Sim, algo está acontecendo por aqui e estamos no olho do furacão, fazendo história, reinventando o cotidiano, passando o país a limpo, colorindo a política, derrubando clichês, mitos e preconceitos, exigindo um novo jeito de ser, uma postura inédita, um comprometimento nunca antes visto entre nós. Algo está acontecendo por aqui e tem a fúria dos nossos indignados, o hálito dos nossos inconformados, a garra dos nossos jovens inquietos, a “ingenuidade”, que permite o impossível, dos que ainda não se habituaram a calar por excesso de sensatez e de razoabilidade. Algo está acontecendo por aí e, maravilhosamente, esse aí agora é aqui. Algo está acontecendo entre nós a ponto de colocar de joelhos o sistema com seu cortejo de aproveitadores.
Algo está acontecendo por aí e disso nunca esqueceremos.

Texto extraído do Blog de Juremir Machado da Silva. Disponível em: http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=4525

Série Pensadores: Goethe



quarta-feira, 26 de junho de 2013

Depoimento de Ferreira Gullar sobre a Passeata dos Cem Mil

26 de junho de 1968 - A Passeata dos Cem mil e uma só voz

Por:

"Os amores na mente / As flores no chão / A certeza na frente / A história na mão / Caminhando e cantando/ e seguindo a canção / Aprendendo e ensinando/ Uma nova lição..."
Prá não dizer que não falei das flores - Geraldo Vandré



Menos de uma semana após um violento enfrentamento com a polícia, organizados sob a liderança de Wladimir Palmeira, os estudantes voltaram às ruas.



Iniciada a partir de um ato político na Cinelândia, uma nova passeata invadiu o Centro do Rio, reivindicando liberdade aos presos políticos e o fim da repressão.

Uma manifestação contra a ditadura, mas também em oposição à política educacional do governo, que revelava uma tendência à privatização. Questionava-se a subordinação brasileira aos objetivos e diretrizes do capitalismo norte-americano.



Reunindo em condição de protesto uma multidão jamais vista durante a ditadura, a Passeata do Cem Mil, tornou-se o evidente símbolo do crescente descontentamento popular com o regime autoritário instaurado no país. Desse dia em diante, aumentaria na mesma proporção o número de perseguidos, presos e desaparecidos. Um dia que duraria mais de duas décadas para chegar ao fim.





O ano de 1968 foi um ano de violência extrema em diversos setores da vida pública. Expressiva parcela dela advinda das agitações estudantis e da repressão policial que eclodiu primeiro em Paris e, depois, em várias partes de todo o mundo.


No Brasil, a série de episódios de protestos da classe estudantil começou no Rio de Janeiro, no final de março, quando um jovem foi assassinado no Restaurante Calabouço. Continuou durante seu funeral, e culminou com verdadeira batalha campal na Avenida Rio Branco e em outros pontos da cidade, no dia que ficaria registrado como a Sexta-feira Sangrenta. Era o estopim para que a causa ganhasse novas dimensões.

Em poucos dias, em uma nova investida contra a ditadura militar, a causa estudantil ganharia importante apoio com maciça adesão de intelectuais, artistas, padres, mães e cidadãos comuns, e profunda repercussão política. Como a grande maioria dos órgãos representativos da sociedade civil encontrava-se sob interdição, o movimento estudantil manteve-se como a grande liderança dessa oposição.

Fonte: Blog Hoje na História. CPDOC/Jornal do Brasil. Disponível em: http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.php?blogid=57&archive=2011-06

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Os tempos da História

Prof. Dr. Eduardo Marques da Silva


Aqui se tem a sensação que vivemos um eterno festival de síndromes. Surpreendentemente diríamos que presenciamos sempre o acometimento da verdadeira Síndrome de Chalaça ou mesmo que tudo decorresse da conhecida Síndrome de Peter Pan ou ainda que fosse um significativo sinal permanente das síndromes de que estamos sacudidos. Basta observarmos com mais atenção o nosso panorama político parlamentar que podemos constatar que a nossa luta é de vivermos "expurgando formatações". Tais síndromes são repetitivas e se renovam na nossa burguesia e nos comportamentos de nossa classe média!

Pobre Brasil, que de tanto querer se fazer passar por Brazil, com seu desenvolvimento para fora, como afirmaram Pedro Paes e O. Sunkel, não se deu conta ainda de seu tempo de duração escravista nos ombros. Parece que tudo aconteceu, como ainda acontece, em sono profundo, letárgico, como num nirvana. Pois também parece que se esqueceu de observar que quatrocentos anos de chicote & pelourinho não foram suficientes para que se aprendesse que tratando os oriundos de nossa escravidão, agora mergulhados na pós-escravidão, tenham se convertido na atualidade em corpos calados (Malaguti, 2004). Busca desastrosa e desesperadamente uma sobrevida que o retire do quadro complexo que lhe atribuiu o seu multiculturalismo.

Sabemos da possibilidade de mapear o perfil comportamental de um determinado segmento social, mesmo se não for considerado segmento social oficialmente e apenas seja considerado grupo ou corpos sociais e socioculturais, calados e contestatoriamente autônomos, pela urbanidade da modernidade. Sofremos de uma síndrome de início de cegueira catastrófica no tempo presente ou de seus elementos mais perniciosos.

Podemos mapeá-los pelos poderes derivados de seus comportamentos sociais através de signos registrados na linguagem, através das suas palavras, com a contribuição recente na academia dada por Jean-François Lyotard (1988).

Arthur Charles Clarke, escritor de ficção científica, disse em entrevista que "Pode ser que nosso destino neste planeta não seja adorar a Deus, mas sim criá-lo". E isso nos faz pensar, pois concepções de Deus >variam tanto de uma pessoa para outra que não há claro consenso sobre a natureza de divindade existir. “Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós!”, afirma Clarke. Nós seriamos os algozes dos algozes da divindade.

Não teremos de nos tornar a nós próprios deuses para parecermos dignos do todo-poderoso, como afirmaClarke. Nunca existiu ato mais grandioso na face da Terra, e quem quer que nasça depois de nós certamente passará a fazer parte, entregue a este, de uma história superior a toda história até hoje(Friedrich Nietzsche.

O primeiro registro histórico de divindade data do período Paleolítico, estendendo-se ao Neolítico ou civilizacional. É quando se acredita que tenha surgido um sentimento humano de vínculo com algo maior do que o próprio Ser, a Terra e a Natureza, os Ciclos e a Fertilidade. A adoração da Deusa mãe, a Mãe Terra ou Mãe Cósmica se estabeleceu como a primeira religação divina, religião humana. Em torno desse sentimento se formariam ‘sociedades matriarcais’, todas centradas na ‘imagem feminina’, talvez pelo ‘poder de concepção’. Os hebreus da Mesopotâmia foram os primeiros a chamar esta Deusa Mãe de Pai e, ainda que masculinizassem a ideia básica de família e continuidade da vida, sua sociedade não era efetivamente patriarcal. Segundo Joseph Campbell, o patriarcalismo surgido com os hebreus se deveu à atividade belicosa de pastoreio de gado bovino e caprino e às constantes perseguições religiosas, que desencadeavam o nomadismo e a perda de identidade territorial. Podemos ver, segundo Braudel, as transformações, conforme suas ferramentas metodológicas de classificar períodos e fatos na história

História e ciências sociais: a longa duração

Para Braudel, há uma crise geral das ciências do homem, todas esmagadas sob seus próprios progressos, devido à acumulação dos novos conhecimentos e da necessidade de um trabalho coletivo. Direta ou indiretamente, todas são atingidas, mas permanecem às voltas com um humanismo retrógrado, insidioso. Preocupam-se com seu lugar no conjunto monstruoso das pesquisas antigas e novas, cuja convergência hoje se adivinha. As ciências do homem sairão dessas dificuldades? Talvez tenham a ilusão disso, pois no risco de voltar a falsos problemas ei-las preocupadas em definir metas, métodos e suas superioridades, como isoladamente Lévi-Strauss, na Antropologia Estrutural, rumo aos procedimentos da Linguística – horizontes da história “inconsciente” e o imperialismo juvenil das matemáticas qualitativas. Uma ciência que ligaria a ciência da Comunicação, a Antropologia, a Economia Política, a Linguística, mas a própria Geografia se divorciaria da História! A História, a menos estruturada das ciências do homem, aceita todas as lições de sua múltipla vizinhança. As outras ciências sociais, mal informadas da crise dos anos 1940 a 1960, preferem desconhecer.

“Nos trabalhos dos historiadores, um aspecto da realidade social do qual a história é boa criada, hábil vendedora: essa duração múltipla e contraditória da vida do homem não é apenas a substância do passado, mas o estofo da vida social atual”, uma razão a mais para assinalar a utilidade da História ou da dialética da duração, tal como ela se desprende da observação repetida do historiador, pois nada é mais importante, no centro da realidade social, do que essa oposição viva, repetida indefinidamente entre o instante e o tempo. A história se ilumina com uma nova luz: de experiências e tentativas recentes desprende-se uma noção precisa da multiplicidade do tempo e do valor excepcional do tempo longo: a história das cem faces deveria interessar às ciências sociais, vizinhas.

A História de curta duração, como se dizia no século XVI, enche a consciência dos contemporâneos, mas não dura. O homem se incorpora e depois redescobre a vontade ou o tempo curto da vida cotidiana, das ilusões, das rápidas tomadas de consciência – o tempo, por excelência, do cronista, do jornalista.

O passado é essa massa de fatos miúdos, brilhantes, obscuros ou repetidos. Fatos que constituem o despojo cotidiano da Microssociologia ou Sociometria. A política não é forçosamente ocorrencial nem é condenada a sê-lo. Os historiadores dos séculos XVIII e XIX haviam estado mais atentos às perspectivas da longa duração que a seguir somente grandes espíritos, comoMichelet, Ranke, Jacob Burckhardt, Fustel de Colange souberam redescobrir. Todo trabalho histórico decompõe o tempo decorrido. A história tradicional, atenta ao tempo breve, ao indivíduo, ao evento, habituou-nos à sua narrativa precipitada, dramática, de fôlego curto.

A História de média duração é o tempo conjuntural. Uma estrutura é a arquitetura de uma realidade que o tempo utiliza mal e veicula muito longamente. Algumas realidades, por viverem muito tempo, tornam-se elementos estáveis de uma infinidade de gerações: atravancam a história. A nova história econômica e social põe no primeiro plano de sua pesquisa a oscilação cíclica e assenta sobre sua duração. Hoje, ao lado do relato, há um recitativo da conjuntura que põe em questão o passado por largas fatias: dez, vinte ou cinquenta anos.

As mentalidades são posições de longa duração, os quadros mentais também. A dificuldade é discernir a longa duração no domínio em que a pesquisa histórica acaba de obter seus inegáveis sucessos. Dos séculos XIV a XVIII, até por volta de 1750, a circulação viu o triunfo da água e do navio, os surtos de progresso europeu. Situa-se uma história de amplitude secular. A longa duração se apresenta como um personagem complicado, amiúde inédito. Para o historiador, ocultá-lo é prestar-se a uma mudança de atitude, a uma alteração de pensamento, a uma nova concepção do social. É em relação a essas extensões de história lenta que a totalidade da história deve ser repensada, a partir de uma infraestrutura.

Todos os milhares de estouros do tempo da história se compreendem a partir dessa semi-imobilidade. A história é a soma de todas as histórias possíveis, uma coleção de misteres e de pontos de vista, de ontem, hoje e amanhã. O único erro seria escolher uma dessas histórias com a exclusão das outras. Trata-se de definir uma hierarquia de forças, de correntes, de movimentos longos e impulsos breves tomados de suas fontes imediatas, de um tempo longínquo. Cada atualidade reúne movimentos de origem, ritmos diferentes: o tempo de hoje data o de ontem, de anteontem etc.

O caminho até a globalização

Segundo Hobsbawm, o começo da globalização pode ser encontrado na chamada Era da Catástrofe, de 1500, quandotudo mudou, desencadeando o fenômeno conhecido como globalização.

Otomanos desembarcaram em Otrento, às portas de Roma, reativando as messiânicas crenças milenaristas e expulsando Veneza do comércio mediterrânico oriental. O império otomano domina o mediterrâneo oriental. Otomanos ameaçam o coração da Europa. Afirmava-se como a primeira potência naval do mediterrâneo oriental. Florença aproveita-se da guerra dos otomanos contra Veneza para obter privilégios comerciais. Otomanos exercem atração sobre os excluídos da cristandade ocidental.

Os lusos estabeleceram a comunicação entre Europa e a África e depois com a Ásia, cuja relação foi obra dos ibéricos. Graças a eles e aos predecessores judeus e árabes, a globalização também se estabeleceu com formas de comunicação distintas pelos algarismos e o cálculo astronômico. A conjuntura mundial em toda parte favorecia a expansão ibérica. A chegada de Cabral à costa do Brasil marca a data na história da astronomia ocidental. As expedições ibéricas inauguraram de outra forma o processo de globalização: aceleraram e intensificaram os contatos com as populações distantes.

Na América, chegou ao auge o império mexicano (Astecas) no reinado de Ahuitzoth. Houve então a sucessão no império mexicano. Morreu Ahuitzoth e seu sobrinho Montezuma o sucedeu, levando o império ao seu apogeu. Seria também a testemunha e a vítima da invasão espanhola em território mexicano. Espanhóis chegaram à América e reconquistaram Granada, na terra Ibérica. Nativos da América tomaram conhecimento da presença de europeus (desconhecidos) no Caribe. Espanhóis concluem a reconquista de Granada em terra Ibérica, mas de jeito nenhum a luta contra o Islã.

Com as conquistas portuguesas (Orã), espanholas (Trípoli), percebe-se que os ibéricos, no início do século XVI, concretizam o estrangulamento do Islã. Com a conquista da Malásia, os portugueses se estabelecem no sudoeste da Ásia. A primeira expedição espanhola só tocou a costa do México em 1517. No México como nos Andes, as previsões de uma destruição garantiam que as sociedades antigas tinham de fato previsto a conquista, embora não pudessem impedi-la, e que a derrota seria inevitável.

Referências

HOBSBAWM, E. J. Bandidos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1976.
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1988.

MALAGUTI, Vera. Rio de Janeiro: a cidade do medo. Rio de Janeiro: Revan, 2004.

SUNKEL, O. Desenvolvimento, subdesenvolvimento, dependência, marginalização e desigualdades espaciais: por um enfoque totalizante. In: BIELSCHOWSKY, R. (org.). Cinquenta anos de pensamento na CEPAL. Rio de Janeiro: Record, 2000.

SUNKEL, O. Um ensaio de interpretação sobre o desenvolvimento latino-americano. Rio de Janeiro: Difel/Fórum, 1975.

Publicado em 20 de abril de 2010 no site Educação Pública vinculado à Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro.  Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/historia/0085.html

quarta-feira, 19 de junho de 2013

O Gigante Acordou...


O blog História Digital apresenta 15 imagens mais marcantes dos protestos no país -

19 de junho de 1965 - Golpe derruba presidente da Argélia


Por Denise de Almeida

Ao receber um jornalista egípcio em abril de 1963, o então presidente da Argélia, Ahmed Ben Bella, apresentou-lhe o coronel Houari Boumedienne e disse: "Aqui está o homem que prepara complôs contra mim". E dirigindo-se a Boumedienne perguntou-lhe como iam as coisas. "Muito bem, obrigado", respondeu o coronel constrangido.

Dois anos depois, um conselho revolucionário chefiado por Boumedienne, vice-primeiro-ministro e ministro da defesa, derrubou Ben Bella em um golpe militar. O ex-presidente foi preso, acusado de traição e despotismo. Em comunicado transmitido pela Rádio Argel, o Conselho Revolucionário chamou Ben Bella de "charlatão, aventureiro, opressor do povo" e o acusou "de ter empobrecido a economia do país com o seu governo personalista". 

A declaração indicou que um dos motivos para o golpe fora a convocação da Conferência Afro-Asiática, que seria realizada naquele ano em Argel. A URSS não fora convidada por pressão da China.

Ben Bella foi o primeiro-ministro do governo de transição estabelecido ao final da guerra de independência, e foi eleito primeiro presidente do país. No seu governo, nacionalizou empresas petrolíferas francesas, distribuiu terras e propriedades abandonadas pelos ex-colonos franceses e adotou uma política externa pró-soviética. Com o golpe, Ben Bella cumpriu prisão domiciliar até 1979, e no ano seguinte exilou-se na Suíça.

Boumedienne também participou da luta pela independência do país. O golpe surpreendeu observadores internacionais em um momento em que a Argélia parecia ter encontrado um equilíbrio entre o poder civil e o militar. 

O ano de 1965 anunciava-se promissor, depois do fim dos conflitos na fronteira com o Marrocos. Ben Bella havia libertado prisioneiros políticos e preparava-se para assinar um contrato petrolífero importante com a França. Boumedienne morreu em 1978, e Chadli Bendjedid assumiu a presidência e aproximou-se da França e dos Estados Unidos.

Passado heróico na FLN

Ben Bella participou da luta pela independência da Argélia e foi preso duas vezes, sendo que da última vez permaneceu na prisão por seis anos. Ben Bella só foi libertado depois da assinatura do Acordo de Evian, pelo qual a França reconheceu a independência da Argélia. 

O presidente deposto havia lutado no Exército Francês durante a Segunda Guerra. Mais tarde assumiu papel destacado no grupo que deu origem à Frente de Liberação Nacional (FLN). Ben Bella transformou um punhado de argelinos em guerrilheiros treinados, que lutaram durante sete anos contra um exército de meio milhão de soldados.

Um milhão de argelinos e 20 mil franceses morreram na guerra de libertação. Com a independência, um milhão de colonos franceses retornaram ao seu pais de origem.

Fonte: Blog Hoje na História CPDOC/Jornal do Brasil. Disponível em: http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.php?itemid=13543

terça-feira, 18 de junho de 2013

Hoje na História: 1900 - Morre o escritor português Eça de Queirós

Morre em 16 de agosto de 1900, em Neuilly, perto de Paris, Eça de Queirós, um dos mais importantes escritores portugueses. Autor, entre outros romances de reconhecida importância, de Os Maias e O Crime do Padre Amaro, considerado o melhor romance realista português do século XIX. 



Fonte: Wikicommons 
José Maria Eça de Queirós nasceu na Póvoa do Varzim em 25 de novembro de 1845. Curiosamente - e escandalosamente para aquela época - foi registrado como filho de José Maria d`Almeida de Teixeira de Queirós e de mãe ilegítima. Seu nascimento foi fruto de uma relação ilegítima entre Carolina Augusta Pereira de Eça e do então delegado da comarca Teixeira de Queirós. Carolina fugiu de casa para que seu filho nascesse afastado do escândalo da ilegitimidade. 

O pequeno foi levado para casa da madrinha, em Vila do Conde, onde permaneceu até os quatro anos. Em 1849, os pais do escritor legitimaram a sua situação, contraindo matrimônio. Eça foi então levado para casa dos avós paternos, em Aveiro, onde permaneceu até os dez anos. Só então se juntou aos seus pais no Porto, onde fez os estudos secundários. 


Em 1861, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Aqui, juntou-se ao famoso grupo acadêmico da Escola de Coimbra que, em 1865, se insurgiu contra o grupo de escritores de Lisboa, a apelidada Escola do Elogio Mútuo. A revolta dos estudantes de Coimbra é considerada como a semente do realismo em Portugal. Ela foi encabeçada por Antero de Quental e Teófilo Braga contra António Feliciano de Castilho na chamada Questão Coimbrã. 

Eça terminou o curso em 1866 e fixou-se em Lisboa, exercendo simultaneamente Advocacia e Jornalismo. Dirigiu o Distrito de Évora e participou na Gazeta de Portugal com folhetins dominicais, que seriam, mais tarde, editados em volumes com o título Prosas Bárbaras. Em 1869 decidiu assistir à inauguração do Canal do Suez. Viajou pela Palestina e daí recolheu variada informação que usou na sua criação literária, nomeadamente nas obras O Egipto e A Relíquia. 

Capa da primeira edição do volume I, em 1888 

Por influência do amigo Antero de Quental, entregou-se ao estudo de Proudhon e aderiu ao grupo do Cenáculo. Em 1870, tomou parte ativa nas Conferências do Casino, marca definitiva do início do período realista em Portugal, iniciando, juntamente com Ramalho Ortigão, a publicação dos folhetins As Farpas. 

Decidiu entrar para o serviço diplomático e foi Administrador do Concelho em Leiria. Foi na cidade de Lis que escreveu O Crime do Padre Amaro. Em 1873 é nomeado cônsul em Havana. Dois anos mais tarde, foi transferido para a Inglaterra, onde residiu até 1878. Foi em terras britânicas que começou a escrever O Primo Basílio e idealizou Os Maias, O Mandarim e A Relíquia. De Bristol e Newcastle, onde residia, enviava com frequência correspondência para jornais portugueses e brasileiros. No entanto, sua longa estadia na Inglaterra o encheu de melancolia. 

Em 1886, casou-se com Maria Emília de Castro, uma fidalga, irmã do Conde de Resende. Em 1888 recebe com alegria sua transferência para a embaixada de Paris. Lança Os Maias e chega a publicar na imprensa Correspondência de Fradique Mendes e A Ilustre Casa de Ramires. 

Nos últimos anos, escreveu para a imprensa periódica, fundando e dirigindo a Revista de Portugal. Sempre que ia a Portugal, reunia-se em jantares com o grupo dos Vencidos da Vida, acérrimos defensores do Realismo na literatura e que viram falhar todos os seus propósitos. 

Leia mais: 

Outros fatos marcantes da data: 
16/08/1955 - Paul Robeson perde apelação para obter passaporte 
16/08/1977 - Morre o 'Rei do Rock and Roll', Elvis Presley, aos 42 anos 
16/08/1570 - É estabelecida a Inquisição nas colônias espanholas da América 

domingo, 16 de junho de 2013

Hoje na História: 16 de abril de 1917

16 de Abril 1917

Vladimir Lenine volta à Rússia para assumir o controlo da revolução russa. Apesar de ter estado exilado na Sibéria e, mais tarde, fugido na Europa devido às suas atividades revolucionárias, Vladimir Lenine (1870-1924) conseguiu reforçar o Partido Bolchevique através da sua oratória e dos seus escritos.
Com uma Rússia entregue ao caos devido à I Guerra Mundial e à abdicação do czar Nicolau II, Lenine abandonou a Suíça e cruzou as linhas inimigas para chegar a Petrogrado no dia 16 de Abril de 1917. Sete meses mais tarde, sob a direcção de Lenine, os bolcheviques conseguiram fazer-se com o poder.
A partir desse momento, supervisionou a criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e dirigiu o país comunista mais importante do mundo até à sua morte em 1924.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Maio de 68 e a ruptura de paradigmas

Ana Lucia Pinto de Almeida

1968 foi um ano marcante, paradigmático, transformou as relações sociais e propôs novos modelos de convivência no mundo, buscando mais igualdade, mais justiça, direitos humanos e maior veracidade nas relações sociais de modo geral. É um ano com tamanha intensidade e diversidade de acontecimentos mundiais que, ao chegar ao fim, o homem terá ido à lua, Robert Kennedy terá sido assassinado, e também Martin Luther King, a guerra do Vietnam será perdida por oposição interna sendo acompanhada de perto pelo mundo inteiro através das primeiras transmissões via-satélite, bem como os protestos contra essa guerra.

Os movimentos da juventude eclodirão em diversas partes do globo com diferentes motivações, em alguns lugares serão conhecidos como contracultura, mas tendo como ponto de convergência o questionamento de valores que não mais davam conta da sociedade, sendo, ao mesmo tempo, um movimento estudantil, uma revolta de pequenos grupos, uma crise social, uma greve como jamais havia ocorrido, uma crise política e, finalmente, a libertação da palavra (quase uma catarse coletiva).

A juventude clamava por mudanças nas estruturas sociais amparada, entre outras, pela Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Uma grande leva de jovens havia chegado às universidades, a primeira geração de universitários após a Segunda Guerra. Capacitados para o debate e fortalecidos com um olhar crítico, esses estudantes começam a se perguntar o porquê da estrutura vigente e, mesmo sem um caminho claro a ser percorrido para minimizar as desigualdades sociais, estão cientes de seu papel transformador.

Começa uma época de denúncias contra o sistema, Herbert Marcuse (1898- filósofo frankfurtiano autor de Idéias para uma Teoria Crítica da Sociedade e o Homem Unidimensional) assume a luta estudantil engajando-se e cumprindo importante papel nas investidas contra o establishment (sistema político estabelecido). Reconhecido como ativista político, foi professor de Ângela Davies, uma filósofa, militante dos Panteras Negras e do Partido Comunista Americano, transformou-se no ícone intelectual da chamada contracultura ao popularizar a tese de que a sociedade capitalista se vale da repressão do prazer e da agressividade para consolidar e manter seu domínio sobre os homens. Em Eros e Civilização (1955) o autor conciliará conceitos de Marx com a teoria freudiana de repressão da libido para mostrar como o homem moderno tem pouco prazer no trabalho e como essa perspectiva, em nada lúdica ou erótica, canaliza a libido para o trabalho alienado.  

Uma parte do movimento estudantil apoiava-se na tese marcusiana da nova esquerda, na qual os agentes históricos transformadores da sociedade não são apenas o proletariado, mas também, os jovens e excluídos de modo geral da sociedade burguesa, capitalista. Outra parte do movimento liga-se às teses freudianas que explicam o mal-estar da civilização, tornando o filósofo popular entre os jovens de toda a parte que lutavam por uma maior liberdade sexual.

O pensador assume a reflexão sobre a liberdade e seu pensamento torna-se polêmico na medida em que a ele está atrelada uma prática política. Ao mesmo tempo é possível observar certo constrangimento já que, para Marcuse, seu ativismo político ainda está centrado no âmbito das ideias e não na necessária revolução: “Oponho-me principalmente à justaposição do meu nome e da minha fotografia com as de Che Guevara, Debray, Dutschke etc. Porque estes homens arriscaram e arriscam verdadeiramente as suas vidas no combate por uma sociedade mais humana. Enquanto eu apenas participo com ideias e palavras” (L’Express, setembro de 1968).

Subsidiados pelo modelo crítico, os estudantes franceses entram em conflito com a polícia para garantir a manutenção de alguns direitos nos Campus universitários ampliando o conflito para a discussão da rigidez da disciplina e dos currículos, e contra o modelo tradicional e obsoleto de academia. Os conflitos iniciam na Universidade de Nanterre (oeste de Paris), em 23 de março. Os jovens criam slogans como ”É proibido proibir”, “O poder está nas ruas” e “A imaginação no poder”. Estas palavras de ordem e de denúncia, de descontentamento e de liberdade ecoarão por todos os cantos, em um efeito cascata, convocando a juventude de toda a parte a criar e compartilhar uma possibilidade libertadora de mundo, onde os Direitos Humanos (proclamados pela ONU em 1948) sejam respeitados, bem como as diferenças individuais e os sonhos de cada um.

Entre três e 30 de maio, as ruas do Quartier latin (bairro de estudantes e intelectuais em Paris) serão transformadas em uma imensa praça de guerra. As mobilizações estudantis arrancam os operários de sua letargia e estes se engajam na luta por reformas na política francesa. Os ideais da Revolução parecem, novamente, fazerem sentido.

Em 18 de maio, os estudantes convocam uma greve geral, e cerca de dez milhões de pessoas cruzam os braços por três dias. A noite mais violenta do conflito é a de 24 de maio onde a polícia, chamada para intervir desde o princípio, responde às pedradas dos estudantes com bombas de gás lacrimogêneo e espancamento generalizado.

O então presidente francês, general Charles de Gaulle, retira-se para a Alemanha e ao retornar propõe aumento salarial de 35% ao operariado, retomando, em parte, o controle da situação. Os líderes estudantis são Daniel Cohn-Bendit, seu irmão Gabriel e Tiennot Grumbach, esses estudantes provinham de linhas trotskistas e stalinistas e foram às portas de grandes fábricas como a Renault convocar os operários para suas manifestações, assim, em um primeiro momento encontramos uma interlocução entre os jovens intelectuais e os jovens operários. Particularmente, o episódio Renault deixa sua marca por um fato inusitado, a Internationale é cantada pelos operários dentro a fábrica e estes após deliberação coletiva, entram em greve.

Na América, Malcolm X e Martin Luther King expõem a indignação com o fato dos convocados para a guerra do Vietnam serem, em grande maioria, das camadas mais pobres, da população negra. Martin Luther King entrega-se a uma contestação pacífica, lutando através dos meios políticos pelos direitos civis dos negros, mas é assassinado em quatro de abril. Em seu lugar, assumindo de forma não pacifista essa luta, temos os Panteras Negras, um grupo rebelde que entra em conflito com os brancos e com o governo proclamando o poder negro. Os contestadores mais brandos desse grupo exigiam o ingresso da história dos negros americanos nos currículos escolares e acadêmicos. É interessante observar que no Brasil, recentemente, tivemos essa mesma luta e hoje as escolas devem trabalhar a história do negro por dentro da disciplina de história nas escolas. Será que isso ocorre?

Tanto Martin Luther King como Malcolm X descortinam a discussão em torno da questão racial na América, recuperando a importância do papel do negro para o desenvolvimento da sociedade americana, expondo sua condição de indigência, repudiando a segregação racial (e todos os movimentos separatistas). Com a luta pela valorização da cultura negra, todos são lembrados da existência do “invisível”, ou seja, do preconceito e da discriminação sofridas pelos negros. Seguimos nesta caminhada.

No Brasil foi necessário um Estatuto da Igualdade Racial para proteger aqueles que, ainda hoje, quarenta anos depois, sofrem preconceito ou discriminação em função de sua etnia, raça e/ou cor. A lei 3.198, de 2000, discorre sobre as penalidades sofridas por aqueles que não respeitam o outro como alteridade e como diferente.

Em 1968 a sociedade é cutucada. Os movimentos feministas espalham-se ganhado fôlego, força e aliadas de peso. As mulheres saem às ruas levantando bandeiras contra a submissão, contra o preconceito no mercado de trabalho, contra o papel exigido e oferecido à mulher como única opção: do lar, organizando a trivial e pacata vida doméstica.

As bandeiras feministas tremulam ainda por ideais maiores: o fim da guerra do Vietnam, direitos humanos, liberação sexual, enfim são muitas bandeiras carregadas pelos movimentos. Algumas de forma tranquila, modificando o seu entorno. Outras de forma radical, extremista, transformando uma luta legítima em uma cópia do mundo machista: cometendo os mesmos erros de discriminação com a população masculina.

A luta pela liberdade de expressão, pela publicação da palavra feminina, já vinha sendo travada por diversas escritoras que não conseguiam editoras para seus trabalhos, já que estas davam prioridade aos escritores. Deste modo, nublavam toda uma concepção de mundo, eliminando do universo escrito o ponto de vista feminino sobre diversas questões que poderiam propor alternativas ou, em parte, explicar de outro modo os problemas existentes.

A mulher é oprimida também enquanto produtora de conhecimento e significados sobre o mundo. E se hoje uma mulher escreve e assina este artigo isso se deve a gerações inteiras de mulheres que brigaram contra a tendência estabelecida e se colocaram como seres humanos capazes de reflexão séria sobre o mundo.  Algumas, como Maya Angelou, descrevem suas lutas como mulheres e negras, vítimas da segregação racial na infância, outras como Simone de Beauvoir necessitaram libertar-se da sombra de companheiros já reconhecidos como grandes intelectuais.

Simone de Beauvoir será considerada um ícone do movimento feminista. Elizabeth Bishop, escritora americana que viveu no Brasil durante quinze anos, teve que dar explicações sobre suas escolhas sexuais, visto que no Brasil morou por longo tempo com uma amiga. Sua companheira Lota de Macedo Soares suicidou-se em 1967. Bishop foi a primeira mulher e a primeira americana a receber, em abril de 76, o Prêmio Internacional Neustadt de Literatura.

A descrição da luta dessas e de outras mulheres escritoras encontra-se no livro Escritoras e a arte da escrita, uma compilação de entrevistas publicadas no Brasil pela editora Gryphus, em 2001. Estava atualizada a discussão sobre gênero. É sempre importante lembrar que ainda precisamos ajudar muitas mulheres pelo mundo a alcançar a liberdade de expressão e o respeito por ser mulher (as mulheres do Oriente Médio, por exemplo), esta ainda é uma bandeira.

A velha sociedade balançou por alguns momentos. Ser questionada tão amplamente em um período tão curto causou uma desacomodação imensa. É compreensível que até os dias de hoje vivamos seus desdobramentos. As questões lançadas foram muitas, todas na tentativa de melhorar a qualidade de vida do maior número de pessoas, de garantir uma mínima igualdade de participação política e de inclusão de uma parcela cada vez maior da sociedade em uma vida mais prazerosa e menos alienante.

Em janeiro, na cidade de Praga, Tchecoslováquia, Alexander Dubcek planeja um modo de constituir uma sociedade comunista e democrática, tentando uma modernização da política do país ainda stalinista. Dubcek pretendia eliminar o autoritarismo e manter o estado comunista. Como slovaco tinha uma maior liberdade para viajar, o que lhe proporcionou um contato com as ideias ocidentais. Acaba por levar a discussão sobre as desigualdades sociais e os direitos humanos para Praga.

O movimento é nomeado por ele mesmo de Primavera de Praga, referindo-se à duração dos protestos e à implementação das reformas. A imprensa adquire uma liberdade nunca antes concedida em nenhum país socialista. Esta liberdade acaba por denunciar as práticas perversas e autoritárias, bem como a corrupção, de alguns líderes do Partido Comunista. Podemos compreender que tais medidas, embora de desejo da população, foram repudiadas com veemência pela União Soviética. Também lá as palavras de ordem e os slogans aparecem, em um deles poderia se ler “O circo russo chegou à cidade. Não alimente os animais”; numa clara manifestação de repúdio à invasão da Tchecoslováquia pelas tropas Russas, cumprindo ordens do Partido Comunista.

A população tenta ser pacífica, deitam-se em frente aos tanques para impedir-lhes o avanço e noticiam ao mundo o que está ocorrendo através de transmissões de rádio. Nada disso surte efeito, a Primavera de Praga chega ao fim. O Partido Comunista via nas ideias inovadoras de Dubcek uma provável queda do socialismo, perda de hegemonia e de privilégios alcançados pela alta cúpula do Partido. As reformas propostas foram parcialmente efetuadas com o governo de Mikhail Gorbachev – Perestroika – em 1987.

No Brasil, comandado pela ditadura militar, o ano de 68 se encerra com o fechamento do Congresso Nacional e o ato institucional número cinco, o (im) popular AI5. Os universitários, sentindo-se convocados pelo clima de mudanças do mundo, abraçam suas causas e encontram no regime ditatorial e nos militares seus principais inimigos.

Aqui também temos o surgimento de slogans, alguns nossos, outros importados como: “É proibido proibir”, transformado em letra de música por Caetano Veloso (um então estudante de filosofia, baiano, com muitas ideias na cabeça) e apresentada em festival universitário, levando-o a prisão três meses depois; “Não confie em ninguém com mais de trinta anos”, referindo-se aos grandes ídolos da juventude do momento, todos com menos de trinta anos; “Abaixo a ditadura!”, pichado no muro de um prédio da USP e reproduzido até hoje em diversos outros muros e sob diferentes contextos; e outros tantos, momentaneamente esquecidos, mas ideologicamente incorporados por aqueles que ainda sentem-se no Brasil motivados para a luta contra o establishment.

A população estudantil brasileira em 1968 era numerosa e qualificada, muitos intelectuais, escritores, músicos e alguns políticos de hoje pertencem a essa geração, uma geração que queria mudar o mundo. Gilberto Gil é um deles. Preso no Natal de 68, com Caetano, Gilberto descreve a sua vivência da prisão do seguinte modo: “Até então, na minha vida, nunca tinha sofrido o problema da supressão da liberdade física e psíquica. Ela significava primeiro que eu estava sendo tirado do meu espaço geral para uma prisão mesmo, e depois porque aquilo era uma sanção ao meu pensamento, a minha atitude, era uma coisa contra os limites de expansão da minha condição psíquica” (Folhetim, agosto de 1977).

No ano seguinte, Gil, Caetano e outros intelectuais e artistas brasileiros buscam asilo no exterior temendo pelas condições de censura imposta pelo governo militar. Assim o pensamento brasileiro se empobrece, embora muitos continuem a refletir sobre situação do país, mesmo estando longe. Mas ocorre uma quebra na produção científica, difícil de ser retomada. O que equivale dizer que a ditadura atrasou a maioridade intelectual brasileira, pois esvaziou o processo de conhecimento de suas principais vozes e calou aqueles que ousaram permanecer por aqui.

A luta contra o sistema ainda continua, sob outras formas, ela se mantém, talvez como necessidade do próprio sistema. Talvez Fukuyama esteja correto ao afirmar que o homem capitalista é o último homem.

Como é “natural” do capitalismo, as contradições são assumidas como parte do movimento, logo tudo está acomodado. Foi assim com a contracultura, foi assim com o movimento punk, assim ocorreu com as filosofias revolucionárias e de denúncia, com as lutas estudantis, com as revoltas juvenis, com a ansiedade e a esperança de gerações inteiras de jovens que com muita fé no homem e na vida tentaram modificar a estrutura da sociedade burguesa.

As contradições só se tornam claras quando nos dispomos a questionar o mundo, o homem, suas relações e seus interesses. Quando para uma maioria, por comodismo ou qualquer outra desculpa, todas as injustiças se tornam aceitáveis, estamos novamente no caminho da barbárie.

Publicado em 4 de agosto de 2009 no site Educação Pública vinculado à Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro, Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/historia/0082.html

quinta-feira, 13 de junho de 2013

História das mentalidades

prof. Dr. Eduardo Marques da Silva

De acordo com Jacques Le Goff, temos novas maneiras de ler a História, principalmente a social. Tudo havia sido transformado, e novamente a maneira de perceber a História se modificava metodologicamente. Saber como se deu o tudo acabava sendo mais um novidadeiro e estrondoso desafio, com novos pensadores do tempo historiográfico no mundo e para o mundo, com foco na História das Mentalidades. Para ele, mentalidade vai além da história. É, inicialmente, ir ao encontro de outras ciências humanas.

Segundo Le Goff, Marc Bloch reconhece no estudo das mentalidades da Idade Média uma ampla gama de crenças e de práticas – algumas legadas por magias milenares, outras nascidas em épocas relativamente recentes no seio da civilização animada de grande fecundidade mítica.

O historiador das mentalidades aproximar-se-á, pois, do etnólogo, visando a alcançar o nível mais estável das sociedades. Ernest Labroussediz que o social é mais lento que o econômico e o mental mais ainda do que o social.Do estudo dos ritos, das práticas cerimoniais, o etnólogo remonta para as crenças, os sistemas de valores. Assim, os historiadores da Idade Média, após Marc Bloch, Percy Ernst Schramm, Ernst Kantorovicz, Bernard Guenée, por meio das sagrações, das curas milagrosas, das insígnias do poder, das recepções reais, descobriram uma mística monárquica, uma mentalidade política e renovaram a história política medieval.

Próximo do etnólogo, o historiador das mentalidades deve também se duplicar em sociólogo. Seu objeto é o coletivo. A mentalidade de um indivíduo histórico, sendo esse um grande homem, é justamente o que ele tem de comum com outros homens de seu tempo. O historiador de mentalidades encontra-se particularmente muito próximo do psicólogo social. As noções de comportamento ou de atitude são para este e para aquela essência.

A Psicologia social inclina-se para a Etnologia e desta para a História. Dois domínios manifestam essa inclinação recíproca da história das mentalidades: os marginais e desviados nas épocas passadas e o progresso paralelo das sondagens de opinião e de análises históricas de comportamentos eleitorais. Desse ponto de vista, um dos interesses da história das mentalidades revela-se: as possibilidades que oferece à Psicologia histórica de ligar-se a outra grande corrente da pesquisa histórica de hoje: a História quantitativa.

Ciência aparentemente do movente e do matizado, a história das mentalidades pode, com certas adaptações, utilizar os métodos quantitativos aperfeiçoados pelos psicologistas sociais. Da mesma maneira, seus vínculos com a etnologia permitirão que recorra a outro grande arsenal das ciências humanas atuais: os métodos estruturalistas.

Mas a história das mentalidades não se define somente pelo contrato com as outras ciências humanas e pela emergência de um domínio repelido pela história tradicional. Ela é o lugar de encontro de exigências opostas que a dinâmica própria à pesquisa histórica atual força ao diálogo. Situa-se no ponto de junção do individual e do coletivo, do longo tempo e do quotidiano, do inconsciente e do intencional, do estrutural e do conjuntural, do marginal e do geral. Quando Huizinga chama Jean de Salisbury de “espírito pré-gótico”, reconhecia-lhe uma superioridade de antecipação com respeito à evolução histórica, pela expressão em que o espírito evoca a mentalidade, fazendo desta a testemunha coletiva de uma época, como Lucien Febvre fez de um Rabelais arrancado ao anacronismo dos eruditos das ideias para voltar à historicidade concreta dos historiadores das mentalidades.

O discurso dos homens, em qualquer tom em que tenha sido pronunciado – o da convicção, o da emoção, o da ênfase –, é frequentemente apenas um amontoado de ideias feitas, de lugares comuns, de restos de culturas e de mentalidades de diversas origens e várias épocas. André Varagnac fala de arqueocivilização, restos sendo reunidos por coerências mentais, senão lógicas, seguindo o deciframento de sistemas psíquicos próximos da bricolage intellectuel em que Claude Lévi-Strauss reconhecia o pensamento selvagem.

A história das mentalidades obriga o historiador a interessar-se por alguns fenômenos essenciais de seu domínio: as heranças (das quais os estudos ensinam a continuidade), as rupturas, a tradição, as maneiras pelas quais se reproduzem mentalmente as sociedades, as defasagens, produto do retardamento dos espíritos em se adaptar às mudanças e a inegável rapidez com que evoluem os diferentes setores da história, um campo de análise privilegiado para a crítica das concepções lineares a serviço histórico.

Os homens servem-se das máquinas conservando as mentalidades anteriores a elas. Os automobilistas têm vocabulário de cavaleiros; os operários das fábricas do século XIX, a mentalidade dos camponeses. A mentalidade é aquilo que muda mais lentamente. História das mentalidades, história da lentidão na história.

Qual a origem da história das mentalidades?Mental que se refere ao espírito e tem origem no vocabulário da escolástica clássica medieval. O aparecimento de mental (no século XV) e mentalidade (no século XIX) indica que o substantivo corresponde a outras necessidades, decorre de uma conjuntura que não o adjetivo. Mentalidade, filha da filosofia inglesa do século XVII, designa a coloração coletiva do psiquismo, a maneira particular de pensar e de sentir “de um povo, de certo grupo de pessoas etc.”. Confinado em inglês, a língua técnica da filosofia, em francês torna-se logo de uso corrente, surgido no século XVIII no domínio científico do campo de uma nova concepção da história. Inspira Voltaire (Enssai sur lês moeurs et l’espirit des nations (1754), como está no dicionário Robert, 1842).

Em 1900, Proust sublinha a novidade e a palavra toma seu sentido corrente. É o sucedâneo popular da Weltanschauung alemã, a visão do mundo, de tudo um pouco, um universo mental ao mesmo tempo estereotipado e caótico. É uma visão corrompida do mundo, o entregar-se à propensão dos maus instintos psíquicos. Fatalidade pejorativa, direto ou antífrase. Uma vil ou bela mentalidade, ou que mentalidade. O inglês a conservou no caso do adjetivo: mental (subentendendo-se deficiente).

REFERÊNCIAS

LE GOFF, Jacques. História nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
HOBSBAWM, E. J. Bandidos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1976. SILVA, Eduardo Marques da. As neoamazonas e o moderno mundo econômico em transformação: onde surgem? Disponível em: www.educacaopublica.rj.gov.br. Publicado em 3 de março de 2009.

SILVA, Eduardo Marques da. Raízes de uma escola de inclusão social e sociocultural cidadã para apresados recuperáveis: uma sugestão. Disponível em: www.educacaopublica.rj.gov.br. Publicado em 16 de janeiro de 2007.

SILVA, Eduardo Marques da. Pós-escravidão, a educação submissa na cibercidadania. Disponível em: www.educacaopublica.rj.gov.br. Publicado em 21 de agosto de 2007.

Publicado em 4 de maio de 2010 no site Educação Pública da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/historia/0086.html

quarta-feira, 12 de junho de 2013

12 de junho de 1935 – Termina a Guerra do Chaco

Por: Alice Melo


Após meses de negociações, chegou ao fim o maior conflito sul-americano do século XX, a Guerra do Chaco (1932-1935). Travada entre o Paraguai e a Bolívia pela disputa do território do Chaco Boreal, a guerra terminou com saldo de 55 mil pessoas mortas, do lado derrotado boliviano, e 40 mil mortos do lado vencedor. 

“Estão, finalmente, suspensas as hostilidades! De acordo com a cláusula final do Pacto da Paz, assinado em Buenos Aires, os exércitos paraguaio e boliviano, que já haviam estabelecido uma trégua preliminar de confraternização, a partir de hoje estarão irmanados sob o pálio da concórdia” (JB, 14/06/1935).


A soberania sobre o Chaco Boreal, antes do fim da guerra, era confusa. Situado na bacia do Rio da Prata, e banhado pelo Rio Paraguai – único acesso destes dois países interioranos ao Oceano Atlântico -, o território tinha pontos de exploração e dominação paraguaia, iniciada na década de 20, como vias de escoamento de mercadorias até o Rio Paraguai, e áreas de domínio da Bolívia, que reclamava a posse da região desde o final do século XIX. 
Mapa da região do Chaco Boreal

O estopim para o conflito armado foi a descoberta de petróleo na zona ocidental do Chaco. A companhia norte-americana Standard Oil, que explorava petróleo na região, levantou a possibilidade de existência de uma grande reserva do combustível fóssil ao leste, sob o solo plano e úmido de domínio paraguaio. O governo boliviano, assim, reclamou a posse total do território, incluindo o domínio exclusivo sobre o Rio Paraguai, levantando reivindicações antigas, ainda do tempo da dominação espanhola na região, quando o Chaco fazia parte do então futuro país. 


Em julho de 1932, o Exército boliviano, que se preparava para a guerra desde 1930, ocupou um forte paraguaio, dando início ao conflito. Após três anos de derramamento de sangue, Bolívia e Paraguai assinaram um acordo em Buenos Aires, que teve importante mediação do Brasil, Argentina, Chile e Estados Unidos. Com a assinatura do documento, o Paraguai passava a ter soberania total sobre o Chaco Boreal, apesar de dividir o acesso ao rio homônimo com a Bolívia.

Fonte: Blog Hoje na História CPDOC/Jornal do Brasil. Disponível em: http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.php?itemid=21821

terça-feira, 11 de junho de 2013

As Revoluções Industriais, as invenções e a educação

Prof. Dr. Eduardo Marques da Silva

O fenômeno das Revoluções Industriais foi causador e causado por grandes invenções, como a do motor a vapor; posteriormente, a eletrificação, que revolucionou o ’tudo’ no ‘todo’ até os dias recentes, como foi revolucionária a mudança da caça nômade para a agricultura sedentária, que permitiu o aparecimento das civilizações humanas, pois havia bastante tempo para que as pessoas se alimentassem, para aprender a ler e escrever, a desenvolver as artes e construir monumentos etc. Nos intervalos das invenções, as pessoas criavam as tais novas janelas de oportunidades, ou seja, os latecomers. Essas janelas no tempo e ao longo dele sempre foram condições fundamentais para o avanço encadeado. O motor de combustão interna conduziu à maior indústria do mundo, mas não causou uma revolução econômica. Asseveramos que os avanços em conhecimentos básicos e em tecnologias radicalmente novas não aconteceram sempre por acaso; foram exigências do capital, de necessidade do jogo do capital, do capitalismo.

Na América Latina éramos vistos como bons copiadores, mimetizadores, durante o século XIX; e como grandes inventividades, às vezes bastante poiéticos, principalmente até a segunda metade do século XX, ‘o século do não’, reverberando até o XXI, período em que não se podia imaginar que os nipônicos, por serem bons copiadores a partir da segunda metade do século XX, se mostrassem em seu valor também transformador. A mimese, defendida pelo sociólogo Maffesoli (1996), não deveria ser desprezada. A Alemanha era uma grande inventora na primeira metade do século XX, mas não na segunda.

A curiosidade e o querer explorar, ter coragem para ir até onde homem nenhum foi antes, estar disposto a aprender sempre com o novo e obter novos conhecimentos com os outros é fundamental no comportamento do ser humano. A criação de desequilíbrio tecnológico é uma forma de arte que nem todas as sociedades dominam no mundo moderno, inclusive nas sociedades ditas criativas, poiéticas. Pois a criação e a criatividade não são nunca equitativamente distribuídas. Ora, o uso do conhecimento no mundo não é automático nunca!

As explorações geográficas e as Revoluções Industriais, que pela tecnologia permitiram sempre que as novas revoluções aparecessem, sempre foram vistas com desconfiança em seu nascedouro, vistas como ameaças e, não como oportunidades. A inovação chegou a ser até, em certo tempo, proibida. Assistimos aos recentes temores com relação à biotecnologia – que se revelaram revolucionários na relação social, afetando e/ou pondo em suspeita a tranquilidade até da família. São temores que ainda ecoam no tempo presente.

A simples supressão do emprego constitui fator importante; o indivíduo fica desintegrado, condenado à humilhação, em muitas situações! A pessoa passa de acusada a autoacusadora do que a torna vítima. Talvez seja o que se está passando hoje na pós-escravidão em nossa urbanidade moderna brasileira, pois o emergente sem trabalho passa a sofrer mais consequências desastrosas. A exploração capitalista, que faz parte do grande jogo do capital no quadro em que o lucro quase sempre beneficia os seus detentores (Silva, 2007a), acaba privilegiando por merecimento e/ou conveniências. Mas são razões que a própria razão desconhecerá sempre. O poder, outrora visível, torna-se invisível, porque passa a pertencer a um corpo a ser ignorado, escondido. Sempre no que tange à escolha, tipificados como ignorados mas numerosos em tipologias e/ou maneiras de agir, se reconstroem sempre em outros corpos sociais e socioculturais autônomos pela urgência de sobrevivência! O poder político permanece quase sempre com aparência de quem está fingindo que trata com a seriedade merecida. Questões como as do trabalho são desprezadas; migalhas lhes são sempre deixadas.

Qualquer interesse sobre essas pessoas chamadas “excluídas” pela ordem social se deve ao fato de serem, em algumas realidades eleitorais, eleitores. A contradição é escandalosa, tanto na ação praticada quanto no discurso. Submetidos ao constrangimento, indefesos face aos desafios que suas vidas têm que enfrentar, isolam-se numa espécie de redoma social. Vivem por definir e redefinir os espaços geográficos ocupados, tanto socioeconômicos como de ‘poder’, sempre se identificando e construindo culturas pouco audíveis, porque na clandestinidade. Acabam por pensar e agir quase sempre em desalinho à ordem social estabelecida. Seu parceiro contumaz passa a ser o comportamento desviante e, dele, à prática criminosa.

Max Weber chama de “ fechamento social” o processo pelo qual coletividades sociais restringem ou procuram restringir o acesso a recursos e oportunidades (geralmente de natureza material) a um estreito círculo de elegíveis, como forma de eliminar a competição. Assim se forma um grupo de interesses. Um corpo social que pode vir a se tornar autônomo porque identitário e, persistindo o interesse monopolístico, pode  conseguir apoio legal para estabelecer um monopólio formal, transformando-se num grupo, corpo social e sociocultural, legalmente privilegiado. Fechamento, clousureé, pois, sinônimo ou equivalente de exclusão e de monopolização. Max Weber diz que os excluídos acabam reagindo a essa condição, mobilizando poder, com a finalidade de estabelecer padrões alternativos de justiça distributiva em substituição ao padrão produzido pela exclusão, indo da redistribuição dos recursos e vantagens à completa expropriação dos que os monopolizam (Diniz, 2001). Já tivemos oportunidade de pontuar que “a estrutura tradicional da escola estava voltada para a classe média (burguesia); a escola primária servia à classe popular”, mas não nos esqueçamos mais uma vez, de que ninguém é ‘lixo’ ou se faz de ‘lixo’ todo o tempo, como se tivesse uma finalidade em si mesmo. Por sua vez, a escola de 3º grau não forma apenas o reduto dos interesses da classe dominante, ela esteve e está criando e mantendo o dualismo dos sistemas escolares, como dizia o Manifesto dos Pioneiros da Educação (Silva, 2007b).

Podemos também atribuir essa situação à globalização, que normalmente é associada a processos econômicos, mas se trata de um fenômeno ao mesmo tempo político, social e principalmente ideológico que se insere na parte do globalismo social, segundo Liszt Vieira (1998, p. 72). A globalização se divide em econômica, política, social, ambiental e cultural. A que abordamos aqui é a social, que se nutre de exclusãosocial, da degradação ambiental e moral, tanto na questão dos recursos econômicos quanto nos padrões socioculturais dos corpos sociais e socioculturais no Rio de Janeiro. Contudo, vale registrar a luta comum dos países mais pobres por melhor redistribuição do poder e da riqueza mundial, o apoio dos organismos internacionais e a ajuda solidária e eventual das grandes potências e de organismos não-governamentais, hoje um fato. A resposta ao desafio da pobreza e da desigualdade segue sendo uma responsabilidade de cada um dos Estados nacionais onde os pobres do mundo estão estocados e onde também se geram e acumulam os recursos capazes de alterar a distribuição do poder e da riqueza entre os grupos (Fiori e Medeiros, 1999).

O querer saber ou querer dominar o corpo transformou a tradição recebida em texto produzido sem escrita, que não se interessou por uma verdade escondida, que será necessário encontrar (Certeau, 1982, p. 45). O corpo poderá se revelar um código que aguarda ser decifrado e, por esse motivo, o deficiente corpo dos ‘excluídos’ (ou convenientemente ignorados) se tornou o objeto de nossa análise e verificação. Segundo Michel Foucault (1963, p. 5), o corpo se converte em extensão, em interioridade aberta, em cadáver exposto ao olhar. O corpo visto se transforma em corpo sabido, e as heterologias se constroem em função da separação entre o saber que contém o discurso e o corpo-mundo que o sustenta.

Todorov (apud Lemos, 2001) analisa que o corpo cala o outro, como uma tipologia para tratar a alteridade; para compreender essa problemática, destacou três planos fundamentais: o axiológico, o paraxiológico e o epistêmico. Esses três planos precisam agora de nova e efetiva leitura, uma vez que todos estão envolvidos, imbricados em um mundo marcado pela falta de diálogo entre as globalizações locais e as localizações globais defendidas pela portuguesa Luiza Cortesão (apud Santos). E acaba por transformar ‘tudo’, em um grande epistemicídio, diríamos. O sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2002) diz que no primeiro plano é feito um julgamento de valor; no segundo, uma ação de aproximação ou de distanciamento, adotando seus valores, identificando-se com o outro ou então lhe impondo submissão; no último plano se conhece ou ignora a identidade do outro. Embora haja interligação entre os três, não significa que possam se reduzir um ao outro.

Segundo Carlo Guinsburg (2002, p. 31), o que tem caracterizado os estudos da História das Mentalidades no campo de observação cultural do corpo é a insistência nos elementos inertes, obscuros e inconscientes de uma determinada visão de mundo. Mas hoje a maior violência é a inexorável necessidade de se globalizar. Diz ele que as sobrevivências, os arcaísmos, a afetividade e a irracionalidade da violência delimitam o campo específico da História das Mentalidades, distinguindo-a com clareza de disciplinas paralelas e hoje consolidadas como História das Ideias, de que já falamos.

Aqui se tem a sensação que se vive de um eterno ataque de síndromes. Uma verdadeira “Síndrome de Chalaça”, como decorrência da conhecida Síndrome de Peter Pan mergulhada na do mimetismo, que por sua vez se encontra também mergulhada em uma lógica flexível do mundo da globalização. Poderíamos afirmar lamentando, nesse particular: pobre Brasil, que de tanto querer se fazer passar por Brazil, com seus ingredientes característicos, não se deu conta do tempo de duração escravista para a sua história recente. Parece que nos esquecemos de observar que aproximadamente quatrocentos anos de chicote & pelourinho não foram suficientes para que se aprendesse o tratamento dispensado ao oriundo de nossa escravidão e mergulhado agora em uma sofrida pós-escravidão etenha se convertido em verdadeiro corpo calado (Malaguti, 2004).

Mas se a sua classificação morfossintática conhecida – chalaçar –, que configura verbo no presente do indicativo da terceira pessoa do singular, aparece imbricado a arroubos de pseudosseriedade, com a coisa pública do nosso espaço político, o porvir se configurará sempre nebuloso. Chalaça é também um substantivo feminino singular, e indica pilhéria, coisa de bobo da corte. Também são sinônimos de chalaça a graça e a piada, que são ingredientes de nosso comportamento. Certamente é coisa que o Brasil/Brazil pratica pela condição de formação sociocultural da mistura, mas, quando refletido na prática e com a presença da mídia e do poder, transforma tudo no/do todo, em um tempo que se fala até de um aparente absurdo denominado de meta-história (Certeau, 1982, p. 45). Talvez a melhor maneira de mirar o futuro seja, para nós, não lamentar o passado!

Observe a maneira de enfrentar a vida, suas formas mais convenientes de ver um grupo ou corpos sociais e socioculturais autônomos na urbanidade moderna, bem como os poderes deles derivados ou seus comportamentos sociais enquanto corporificação, sempre por meio de seus signos, da linguagem (Lyotard, 1988), ou de suas palavras. Parece que o mundo mudou, passou e não se observou absolutamente nada. Permite uma corporificação independente, autônoma no social, com seus signos socioculturais apresentados; isso é que torna uma pesquisa sobre eles sempre fascinante!

Referências

CERTEAU, Michel. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense, 1982.

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Publicado em 6 de julho de  2010 no sitle Educação Pública vinculado à Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/historia/0090.html