terça-feira, 11 de junho de 2013

As Revoluções Industriais, as invenções e a educação

Prof. Dr. Eduardo Marques da Silva

O fenômeno das Revoluções Industriais foi causador e causado por grandes invenções, como a do motor a vapor; posteriormente, a eletrificação, que revolucionou o ’tudo’ no ‘todo’ até os dias recentes, como foi revolucionária a mudança da caça nômade para a agricultura sedentária, que permitiu o aparecimento das civilizações humanas, pois havia bastante tempo para que as pessoas se alimentassem, para aprender a ler e escrever, a desenvolver as artes e construir monumentos etc. Nos intervalos das invenções, as pessoas criavam as tais novas janelas de oportunidades, ou seja, os latecomers. Essas janelas no tempo e ao longo dele sempre foram condições fundamentais para o avanço encadeado. O motor de combustão interna conduziu à maior indústria do mundo, mas não causou uma revolução econômica. Asseveramos que os avanços em conhecimentos básicos e em tecnologias radicalmente novas não aconteceram sempre por acaso; foram exigências do capital, de necessidade do jogo do capital, do capitalismo.

Na América Latina éramos vistos como bons copiadores, mimetizadores, durante o século XIX; e como grandes inventividades, às vezes bastante poiéticos, principalmente até a segunda metade do século XX, ‘o século do não’, reverberando até o XXI, período em que não se podia imaginar que os nipônicos, por serem bons copiadores a partir da segunda metade do século XX, se mostrassem em seu valor também transformador. A mimese, defendida pelo sociólogo Maffesoli (1996), não deveria ser desprezada. A Alemanha era uma grande inventora na primeira metade do século XX, mas não na segunda.

A curiosidade e o querer explorar, ter coragem para ir até onde homem nenhum foi antes, estar disposto a aprender sempre com o novo e obter novos conhecimentos com os outros é fundamental no comportamento do ser humano. A criação de desequilíbrio tecnológico é uma forma de arte que nem todas as sociedades dominam no mundo moderno, inclusive nas sociedades ditas criativas, poiéticas. Pois a criação e a criatividade não são nunca equitativamente distribuídas. Ora, o uso do conhecimento no mundo não é automático nunca!

As explorações geográficas e as Revoluções Industriais, que pela tecnologia permitiram sempre que as novas revoluções aparecessem, sempre foram vistas com desconfiança em seu nascedouro, vistas como ameaças e, não como oportunidades. A inovação chegou a ser até, em certo tempo, proibida. Assistimos aos recentes temores com relação à biotecnologia – que se revelaram revolucionários na relação social, afetando e/ou pondo em suspeita a tranquilidade até da família. São temores que ainda ecoam no tempo presente.

A simples supressão do emprego constitui fator importante; o indivíduo fica desintegrado, condenado à humilhação, em muitas situações! A pessoa passa de acusada a autoacusadora do que a torna vítima. Talvez seja o que se está passando hoje na pós-escravidão em nossa urbanidade moderna brasileira, pois o emergente sem trabalho passa a sofrer mais consequências desastrosas. A exploração capitalista, que faz parte do grande jogo do capital no quadro em que o lucro quase sempre beneficia os seus detentores (Silva, 2007a), acaba privilegiando por merecimento e/ou conveniências. Mas são razões que a própria razão desconhecerá sempre. O poder, outrora visível, torna-se invisível, porque passa a pertencer a um corpo a ser ignorado, escondido. Sempre no que tange à escolha, tipificados como ignorados mas numerosos em tipologias e/ou maneiras de agir, se reconstroem sempre em outros corpos sociais e socioculturais autônomos pela urgência de sobrevivência! O poder político permanece quase sempre com aparência de quem está fingindo que trata com a seriedade merecida. Questões como as do trabalho são desprezadas; migalhas lhes são sempre deixadas.

Qualquer interesse sobre essas pessoas chamadas “excluídas” pela ordem social se deve ao fato de serem, em algumas realidades eleitorais, eleitores. A contradição é escandalosa, tanto na ação praticada quanto no discurso. Submetidos ao constrangimento, indefesos face aos desafios que suas vidas têm que enfrentar, isolam-se numa espécie de redoma social. Vivem por definir e redefinir os espaços geográficos ocupados, tanto socioeconômicos como de ‘poder’, sempre se identificando e construindo culturas pouco audíveis, porque na clandestinidade. Acabam por pensar e agir quase sempre em desalinho à ordem social estabelecida. Seu parceiro contumaz passa a ser o comportamento desviante e, dele, à prática criminosa.

Max Weber chama de “ fechamento social” o processo pelo qual coletividades sociais restringem ou procuram restringir o acesso a recursos e oportunidades (geralmente de natureza material) a um estreito círculo de elegíveis, como forma de eliminar a competição. Assim se forma um grupo de interesses. Um corpo social que pode vir a se tornar autônomo porque identitário e, persistindo o interesse monopolístico, pode  conseguir apoio legal para estabelecer um monopólio formal, transformando-se num grupo, corpo social e sociocultural, legalmente privilegiado. Fechamento, clousureé, pois, sinônimo ou equivalente de exclusão e de monopolização. Max Weber diz que os excluídos acabam reagindo a essa condição, mobilizando poder, com a finalidade de estabelecer padrões alternativos de justiça distributiva em substituição ao padrão produzido pela exclusão, indo da redistribuição dos recursos e vantagens à completa expropriação dos que os monopolizam (Diniz, 2001). Já tivemos oportunidade de pontuar que “a estrutura tradicional da escola estava voltada para a classe média (burguesia); a escola primária servia à classe popular”, mas não nos esqueçamos mais uma vez, de que ninguém é ‘lixo’ ou se faz de ‘lixo’ todo o tempo, como se tivesse uma finalidade em si mesmo. Por sua vez, a escola de 3º grau não forma apenas o reduto dos interesses da classe dominante, ela esteve e está criando e mantendo o dualismo dos sistemas escolares, como dizia o Manifesto dos Pioneiros da Educação (Silva, 2007b).

Podemos também atribuir essa situação à globalização, que normalmente é associada a processos econômicos, mas se trata de um fenômeno ao mesmo tempo político, social e principalmente ideológico que se insere na parte do globalismo social, segundo Liszt Vieira (1998, p. 72). A globalização se divide em econômica, política, social, ambiental e cultural. A que abordamos aqui é a social, que se nutre de exclusãosocial, da degradação ambiental e moral, tanto na questão dos recursos econômicos quanto nos padrões socioculturais dos corpos sociais e socioculturais no Rio de Janeiro. Contudo, vale registrar a luta comum dos países mais pobres por melhor redistribuição do poder e da riqueza mundial, o apoio dos organismos internacionais e a ajuda solidária e eventual das grandes potências e de organismos não-governamentais, hoje um fato. A resposta ao desafio da pobreza e da desigualdade segue sendo uma responsabilidade de cada um dos Estados nacionais onde os pobres do mundo estão estocados e onde também se geram e acumulam os recursos capazes de alterar a distribuição do poder e da riqueza entre os grupos (Fiori e Medeiros, 1999).

O querer saber ou querer dominar o corpo transformou a tradição recebida em texto produzido sem escrita, que não se interessou por uma verdade escondida, que será necessário encontrar (Certeau, 1982, p. 45). O corpo poderá se revelar um código que aguarda ser decifrado e, por esse motivo, o deficiente corpo dos ‘excluídos’ (ou convenientemente ignorados) se tornou o objeto de nossa análise e verificação. Segundo Michel Foucault (1963, p. 5), o corpo se converte em extensão, em interioridade aberta, em cadáver exposto ao olhar. O corpo visto se transforma em corpo sabido, e as heterologias se constroem em função da separação entre o saber que contém o discurso e o corpo-mundo que o sustenta.

Todorov (apud Lemos, 2001) analisa que o corpo cala o outro, como uma tipologia para tratar a alteridade; para compreender essa problemática, destacou três planos fundamentais: o axiológico, o paraxiológico e o epistêmico. Esses três planos precisam agora de nova e efetiva leitura, uma vez que todos estão envolvidos, imbricados em um mundo marcado pela falta de diálogo entre as globalizações locais e as localizações globais defendidas pela portuguesa Luiza Cortesão (apud Santos). E acaba por transformar ‘tudo’, em um grande epistemicídio, diríamos. O sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2002) diz que no primeiro plano é feito um julgamento de valor; no segundo, uma ação de aproximação ou de distanciamento, adotando seus valores, identificando-se com o outro ou então lhe impondo submissão; no último plano se conhece ou ignora a identidade do outro. Embora haja interligação entre os três, não significa que possam se reduzir um ao outro.

Segundo Carlo Guinsburg (2002, p. 31), o que tem caracterizado os estudos da História das Mentalidades no campo de observação cultural do corpo é a insistência nos elementos inertes, obscuros e inconscientes de uma determinada visão de mundo. Mas hoje a maior violência é a inexorável necessidade de se globalizar. Diz ele que as sobrevivências, os arcaísmos, a afetividade e a irracionalidade da violência delimitam o campo específico da História das Mentalidades, distinguindo-a com clareza de disciplinas paralelas e hoje consolidadas como História das Ideias, de que já falamos.

Aqui se tem a sensação que se vive de um eterno ataque de síndromes. Uma verdadeira “Síndrome de Chalaça”, como decorrência da conhecida Síndrome de Peter Pan mergulhada na do mimetismo, que por sua vez se encontra também mergulhada em uma lógica flexível do mundo da globalização. Poderíamos afirmar lamentando, nesse particular: pobre Brasil, que de tanto querer se fazer passar por Brazil, com seus ingredientes característicos, não se deu conta do tempo de duração escravista para a sua história recente. Parece que nos esquecemos de observar que aproximadamente quatrocentos anos de chicote & pelourinho não foram suficientes para que se aprendesse o tratamento dispensado ao oriundo de nossa escravidão e mergulhado agora em uma sofrida pós-escravidão etenha se convertido em verdadeiro corpo calado (Malaguti, 2004).

Mas se a sua classificação morfossintática conhecida – chalaçar –, que configura verbo no presente do indicativo da terceira pessoa do singular, aparece imbricado a arroubos de pseudosseriedade, com a coisa pública do nosso espaço político, o porvir se configurará sempre nebuloso. Chalaça é também um substantivo feminino singular, e indica pilhéria, coisa de bobo da corte. Também são sinônimos de chalaça a graça e a piada, que são ingredientes de nosso comportamento. Certamente é coisa que o Brasil/Brazil pratica pela condição de formação sociocultural da mistura, mas, quando refletido na prática e com a presença da mídia e do poder, transforma tudo no/do todo, em um tempo que se fala até de um aparente absurdo denominado de meta-história (Certeau, 1982, p. 45). Talvez a melhor maneira de mirar o futuro seja, para nós, não lamentar o passado!

Observe a maneira de enfrentar a vida, suas formas mais convenientes de ver um grupo ou corpos sociais e socioculturais autônomos na urbanidade moderna, bem como os poderes deles derivados ou seus comportamentos sociais enquanto corporificação, sempre por meio de seus signos, da linguagem (Lyotard, 1988), ou de suas palavras. Parece que o mundo mudou, passou e não se observou absolutamente nada. Permite uma corporificação independente, autônoma no social, com seus signos socioculturais apresentados; isso é que torna uma pesquisa sobre eles sempre fascinante!

Referências

CERTEAU, Michel. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense, 1982.

CORTEZÃO, Luíza. Globalizações locais e localizações globais: difíceis diálogos nas sociedades complexas. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

DINIZ, Marli. Os donos do saber: profissões e monopólios profissionais. Rio de Janeiro: Revan, 2001.

FIORI, José Luís; MEDEIROS, Carlos (orgs.). Polarização mundial e crescimento. Petrópolis: Vozes, 1999.

FOUCAULT, Michel. Naissance de la clinique. Paris: PUF, 1963.

GUINSBURG, Carlo. Relação de força: história, retórica e prova. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

LEMOS, Teresa Toríbio Brittes. Corpo calado: imaginário em confronto. Rio de Janeiro: 7Letras, 2001.

LYOTARD, Jean-François, A condição pós-moderna. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1988.

MAFFESOLI, M. No fundo das aparências. Trad. Bertha Halpern Gurovitz, Petrópolis: Vozes, 1996.

MALAGUTI, Vera. Rio de Janeiro: a cidade do medo. Rio de Janeiro: Revan, 2004.

SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

SILVA, Eduardo Marques da. Raízes de uma escola de inclusão social e sociocultural cidadã para apresados recuperáveis: uma sugestão. Disponível em: www.educacaopublica.rj.gov.br. Publicado em 16 de janeiro de 2007a.

SILVA, Eduardo Marques da. Pós-escravidão, a educação submissa na cibercidadania. Disponível em: www.educacaopublica.rj.gov.br. Publicado em 21 de agosto de 2007b.

VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. 2ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.

Publicado em 6 de julho de  2010 no sitle Educação Pública vinculado à Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/historia/0090.html

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