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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Reflexão crítica sobre o 20 de setembro

Para historiador, Semana Farroupilha é equívoco
Reportagem: Luiz Renato Almeida (2007)

Em 20 de Setembro, os gaúchos comemoram a Revolução Farroupilha.
Para o historiador da Universidade Federal de Passo Fundo (UPF),
Tau Golin, a Semana Farroupilha é um equívoco histórico
Nesta quarta-feira, 20 de Setembro, os gaúchos comemoram a chamada Revolução Farroupilha, movimento reivindicatório surgido no Rio Grande do Sul em 1835
Para o historiador da Universidade Federal de Passo Fundo (UPF), Tau Golin, o tradicionalismo passa uma falsa idéia de que, no século 19, a população riograndense se levantou contra o Império. Para o pesquisador, o que começou em 1835 foi um movimento contra a taxação da terra e do charque, liderado por estancieiros e charqueadores. Nesta entrevista, Tau Golin explica porque, na sua opinião, a Semana Farroupilha é um equívoco histórico.

Os gaúchos sabem o que se comemora no 20 de setembro?
Os riograndenses sabem que se comemora a Revolução Farroupilha. No entanto, não têm uma idéia precisa e desconhecem o que foi a Revolução Farroupilha. A visão que predomina no conjunto da população é a elaboração feita pelo tradicionalismo, convertida em um civismo. O que significa isso? Todo o Rio Grande do Sul, na pretensão tradicionalista, foi transformado em uma espécie de região-país, como se todos tivessem o interesse de combater o Império. Essa é uma visão equivocada, porque os farrapos eram minoria da população. Eles jamais passaram de cinco mil a seis mil pessoas, numa população de 450 mil. Vários problemas existem nesta visão sobre a Revolução Farroupilha. Em primeiro lugar, o povo do Rio Grande do Sul, na sua maioria, ficou ao lado da Regência, do Império. Nós não podemos nos esquecer que esta revolta dos estancieiros e charqueadores do Rio Grande do Sul, que ocorreu em 1835, se dá poucos anos depois da Independência do Brasil. E a Independência do Brasil foi um processo bastante traumático, do ponto de vista da construção de uma identidade nacional. Ou seja, o Estado Nação surge em 1822. A população, até então, não tinha uma identidade de nação, eles eram apenas súditos de Portugal. Então, a Independência do Brasil significou que ela passou a ter uma identidade. E a revolta dos estancieiros não era uma reivindicação do conjunto da população. Era uma reivindicação contra a taxação da terra e do charque. Eram interesses de uma classe proprietária e de pessoas que lidavam no mercado internacional do charque. Não eram interesses da população. Por outro lado, nestes primeiros momentos a oligarquia do Rio Grande do Sul estava disputando o poder desta nova nação com as elites das outras regiões do Brasil. Então, nós não temos na Revolução Farroupilha uma dimensão, que se deu a partir do tempo, que o Rio Grande do Sul era uma espécie de região-nação que estava sendo sufocada pela Regência. Na verdade, a maioria do Rio Grande do Sul ficou ao lado do Império, porque ser contra o Império, naquele momento, era ser contra uma noção de brasilidade, era perder essa identidade que a Independência tinha dado. E foi por isso que a maioria da população do Rio Grande do Sul, especialmente as cidades, lutou ao lado do Império, e não ao lado dos farroupilhas.

O senhor está dizendo a visão atual sobre a Revolução Farroupilha dá ênfase a esta bandeira da liberdade, mas omite temas controversos, como a opção pelo escravismo?
A Revolução Farroupilha foi um movimento reivindicatório dos estancieiros e charqueadores, porque a estrutura do País que estava se fundando trabalhava com uma noção de regulamentação do País. Durante todo o período colonial, três séculos, não se cobrava o imposto da terra. Esse novo País começa a pensar na cobrança do imposto da terra. Os interesses dessa rebeldia dos caudilhos do Sul se dava também em cima de uma tradição guerreira, de guerras de fronteiras, que saía da política ou fazia da guerra um estado de política. Ou seja, entrar em armas era uma coisa natural na tradição dessa oligarquia riograndense, tanto é que esse protesto englobou três tipos de rebeldes: a maioria dos rebeldes farroupilhas era monarquista, o partido do Bento Gonçalves era monarquista ditatorial, não queria saber da normatização do país. Enquanto havia uma pequena parte de farroupilhas que eram monarquistas constitucionalistas: tinham uma idéia da lei, o que implicaria ser esse novo país. E havia uma minoriazinha, representada pelos jornalistas, pelos secretários desses grandes líderes, principalmente por influência da Revolução Francesa, que eram republicanos. Essas pessoas é que escreviam os textos. E se tomam estes textos, essas proclamações, como se fossem história realmente acontecida. Na verdade eram textos: era uma revolução do papel, e não uma revolução em que aquelas idéias que estavam ali eram verdadeiramente realizadas. Com exceção deste pequeno grupo, tanto o partido da maioria do Bento Gonçalves, como o partido da minoria, eram escravocratas. Tanto é que, quando eles reúnem a Constituinte Farroupilha, a escravidão é preservada e, além de só os proprietários terem direitos, os bens desses proprietários deveriam ser maiores do que seus bens no período imperial.

Até que ponto a exaltação do gaúcho não beira uma espécie de preconceito com as pessoas de fora? 
A Semana Farroupilha, do ponto de vista da história, é um grande equívoco. Essa idéia de que o Rio Grande do Sul se levantou como um todo contra o Império é uma bobagem tremenda. Isso não tem o mínimo de fundamentação histórica e foi inventado pelos tradicionalistas, mas em cima de um movimento feito pelo castilhismo, no início da Proclamação da República, porque o Partido Republicano Riograndense procurava uma legitimação. Essa legitimação foi buscada no passado. Então o primeiro grande movimento estatal feito desde uma visão de totalidade do Rio Grande do Sul farroupilha foi feita pelo castilhismo, que foi um regime completamente despótico. A primeira grande manipulação da visão histórica feita pelo estado castilhista ocorreu durante toda a República Velha. Com o passar do tempo, o tradicionalismo que surge vai se basear nesta idéia, só que no pós-Segunda Guerra Mundial estão em vigor no mundo os movimentos anti-coloniais, ou seja, as guerras de libertação nacional. E esse conceito de guerra de libertação nacional foi utilizado pelo tradicionalismo, aplicável ao Rio Grande do Sul. Começaram a passar a idéia de que houve um momento no passado que todo o Rio Grande do Sul se levantou contra o império. Mas não tem consistência nenhuma essa afirmação. O que nós temos concretamente é que a população, além de ser regimentada a força... os farrapos mantiveram a escravidão, quando fizeram o acordo final e aceitaram a anistia oferecida pelo Barão de Caxias, entregaram os cento e poucos negros que ainda restavam no exército farroupilha que não tinham sido chacinados no combate de Porongos, para o Império. Esses negros, que, em sua maioria constituíram os lanceiros negros, foram levados para o Rio de Janeiro, pelo Barão de Caxias, como escravos do Estado, e foram trabalhar nas obras do Estado. Parte deles trabalhou na recuperação do porto do Rio de Janeiro, inclusive. O que nós temos é a formação de uma memória altamente manipulável, transformada num civismo, num patriotismo caótico, que alimenta um tipo de sentimento completamente arrogante, anti-brasileiro, que não auxilia na compreensão da grandeza da história do Rio Grande do Sul, porque transformou o Rio Grande do Sul no mito de uma República de estancieiros, numa República de senhores de escravo. Então, hoje nós temos um Estado mobilizado pelas forças da indústria cultural, pelos aparelhos do Estado, para cultuar na avenida e por toda a mídia, senhores de escravo e caudilhos como heróis regionais.

E qual a sua opinião sobre a transformação do 20 de setembro em um grande evento, que atraia turistas de outros Estados, iniciativa esta criticada inclusive por alguns tradicionalistas?
Precisamos compreender a natureza do tradicionalismo, que por ter aparatos de Estado, aparatos da indústria cultural e em vários âmbitos da vida social, ele conseguiu incorporar todas as emoções e se faz de representante desses sentimentos de pertencimento. As pessoas que têm bons sentimentos, que desconhecem a natureza do tradicionalismo e a sua função, elas estão no processo, estão no movimento, mas desconhecem essa função estatal, essa capacidade dogmática de controle, de exercício de poder sobre as pessoas e fundamentalmente de uma vigilância sobre o comportamento e sobre a cultura. Então, em todos os âmbitos da vida social e cultural, os tentáculos do tradicionalismo vão se apossando deles, e esses tentáculos vão dando novos sentidos às emoções. Todos nós temos um sentimento de pertencer ao Sul do Brasil, de vivermos no Rio Grande do Sul, reconhecemos na história do Estado a sua grandeza. Isso está muito adequado à pós-modernidade, que se fundamenta basicamente no espetáculo e na imagem. Não interessa mais ser riograndense. Interessa parecer ser. Esse parecer ser adquiriu o aspecto de identidade. Parecer ser do Rio Grande do Sul é ter um aspecto consagrado no modelo tradicionalista. O modelo está pronto: basta você querer parecer do Sul, você veste esta fantasia. Obviamente, com isso não tem materialidade, tudo isso envereda para um superdimensionamento do parecer ser, ou seja, dessa coisa espetacular. Isso vai criando sentidos próprios, são forças que vão sendo manipuladas pelo próprio movimento, pelo Estado, então hoje o tradicionalismo também é uma força turística. Todos os recursos do grande espetáculo pós-moderno são utilizados: são verbas que deveriam ser destinadas à educação, ao conhecimento, à pesquisa, ao saber, e são desviadas, digamos assim, para esse campo de teatralidade, da espetacularização, dos desfiles, dos rodeios, ou seja, desta grande teatralidade, de um culto completamente vazio da identidade regional.

Fonte: Blog Coletivo Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: http://sustentabilidadesemapi.blogspot.com.br/2008/09/para-historiador-semana-farroupilha.html

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