domingo, 13 de fevereiro de 2011

Livro reúne imagens históricas da MPB

Quem já teve a oportunidade de entrar no camarim de um artista sabe que, às vezes, esse ambiente proporciona momentos tão empolgantes quanto aos que podem ser vistos no palco. Encontros inesperados, abraços, saudações efusivas. Uma parte importante do que aconteceu nos palcos e nos bastidores da música brasileira está no livro Um olhar na música popular brasileira (Aeroplano Editora), da fotógrafa Cristina Granato.

Cristina começou fotografando as apresentações, depois, com muito jeito e respeito, foi “arrombando” as portas dos bastidores de teatros e casas de shows pelo Brasil. Passou a ficar conhecida entre os artistas e, com isso, conseguiu registrar momentos memoráveis, como o selinho da cantora Maria Bethânia no compositor Erasmo Carlos ou Caetano Veloso, de cuecas, trocando de roupa para entrar em cena.



Com tantas fotos em seu arquivo – e ela tem os diretos sobre elas –, Cristina teve que mergulhar em suas pastas para selecionar 360 imagens – cerca de 120 por década – para o livro. Entre os muitos registros, a profissional conta que se surpreendeu ao encontrar uma foto de Chico Buarque e do compositor João do Vale abraçados depois de uma partida de futebol, o esporte preferido de Chico. “Essa foto é emocionante, mostra os dois abraçados, suados, descalços”, diz Cristina, que levou três anos para colocar o livro na praça.

“Os artistas são as estrelas do meu livro. Sou um canal para mostrá-los para o público”, diz Cristina, que também registra outras artes além da música, como teatro, exposições, espetáculos de dança e lançamentos de livros. A fotógrafa conta que artistas como Claudia Gimenez, Regina Duarte, Ana Maria Botafogo cobraram suas fotos. “Mas o livro é só do pessoal da música. Agora estou devendo um do pessoal do teatro. Quero fazer”, diz. Um segundo volume sobre a MPB também seria possível. “Material não falta”, afirma a fotógrafa.


ÉPOCA - Você lembra qual foi o primeiro artista da música que você fotografou?
Cristina Granato - Foi a Maria Bethânia, no show Pássaro da Manhã, em 1977, no Teatro da Praia. Tem muito tempo isso...
ÉPOCA - Demorou para você criar essa relação de intimidade com os artistas?
Cristina – Sim. Foi dia a dia. Estabeleci uma relação de respeito com eles. Cada dia eu fui avançando mais um pouquinho...
ÉPOCA - Tem alguma foto no livro que você pode dizer que foi difícil de fazer?
Cristina – As fotos do livro, em geral, foram planejadas. Foram fotos encomendadas. Um exemplo é a da Cássia Eller (sentada no vaso sanitário). Tínhamos marcado, a ideia já era fotografá-la no banheiro. Por isso, não sei dizer alguma que foi mais fácil ou mais difícil de fazer...
ÉPOCA - A Cássia, apesar de toda a presença que tinha no palco, sempre se declarou uma pessoa muito tímida. Você conseguiu uma foto bem irreverente dela. Como rolou esse registro?
Cristina – Ela realmente era muito tímida. Mas ela sabia em quem podia confiar. Ela já me conhecia, sabia que eu não iria fazer nada de mau gosto. A morte da Cássia foi uma grande perda para a música brasileira.
ÉPOCA – Tem outros artistas que são tímidos?
Cristina – O Chico Buarque. A foto dele sem camisa, ao lado do João do Vale, eu acho especial. Ela é emocionante, mostra os dois abraçados, suados, descalços. Eu gosto das mãos dos dois dados, mostra um carinho entre eles. Foi algo surpreendente para mim, um achado no meu arquivo.
ÉPOCA - Algum artista já ficou bravo ou chateado por alguma foto que você tirou?
Cristina – Teve alguns momentos que eu não fotografei porque achei que eram delicados demais. Percebi que se eu fizesse a foto o artista não iria gostar. Eu tenho algo que aprendi nesses anos todos: saber em qual momento eu posso fotografar. Eu sinto isso, talvez pela experiência. Mas eu costumo lembrar só as horas que foram boas, como o sambista Nelson Sargento fazendo xixi no banheiro e me deixando entrar para fotografar. E não adianta querer “roubar” uma foto de uma situação delicada. Para o meu trabalho, isso não vai dar em nada. Não é importante para mim.
ÉPOCA - Teve alguém que escapou das suas lentes ou que você tem muita vontade de fotografar?
Cristina – Sim, eu lamento não ter fotografado a Elis Regina, apesar de tê-la visto cantar algumas vezes. Lamento também não ter fotografado o Raul Seixas. Mas não se pode querer tudo, né? Fico satisfeita de registros do Gonzagão, Dorival Caymmi, Zé Ketti...
ÉPOCA - Uma de suas “casas” era o Canecão (espaço para shows no Rio de Janeiro). Ficou triste com o fechamento do local?
Cristina – Fiquei muito chateada. Acho que o Canecão, que deu força à carreira de tantos artistas da nossa música, poderia abrir em outro lugar. Esse nome não deveria morrer.
ÉPOCA - Atualmente, os artistas têm uma equipe imensa de assessores, produtores, seguranças. Ficou mais difícil fotografar?
Cristina – No geral, pode até estar. Como eu já tenho muito tempo de profissão, as coisas não estão mais complicadas para mim, não. Em todos os lugares que eu chego para trabalhar, sou muito bem recebida. Claro que uma hora ou outra, um artista novo que não me conhece... Mas isso é uma loucura! Os grandes artistas jamais são indelicados com os profissionais da imprensa, com os fotógrafos. De repente, você está acostumada a lidar com a Fernanda Montenegro, que é um poço de generosidade, e depois chega um novato e já vai te atropelando, sem saber ao menos o que você está fazendo ali. Eu fico “p da vida”, mas deixo para lá. Nesses trinta anos de trabalho, eu já vi tanta gente começando, tanta gente sumindo...
ÉPOCA - O que você acha dessa onda de paparazzi no Brasil?
Cristina – Essa ideia veio para cá com a novela do Gilberto Braga (Celebridades - 2003) e com o acidente da princesa Diana. Mas isso não existe aqui! É uma onda importada, europeia. Lá fora, os paparazzi não são conhecidos. Eles pesquisam a vida das celebridades, fazem a foto, vendem para todos os tabloides e enchem o bolso de dinheiro. Depois disso, ficam mais um tempo sem trabalhar, justamente para não serem reconhecidos. Acho uma maluquice querer fazer isso aqui no Brasil. Vamos correr atrás de quem? Os fotógrafos não ganham para isso, vendem as fotos a preço de banana e estão todos os dias nos mesmos pontos, na praia. Sem falar que esses profissionais acabam ficando queimados no mercado.

Fonte: Revista Época

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