Os últimos dias do presidente revelam o isolamento político e as ameaças que ele e sua família vinham sofrendo e que o levaram ao beco sem saída no qual acabou morto, com um tiro no peito
por Lira Neto
Pelo telefone, claramente emocionado, o ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, leu para a Rádio Nacional a carta-testamento encontrada na mesinha de cabeceira do presidente morto: “Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada temo. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”. O relógio indicava que faltavam 15 minutos para as 9 da manhã daquele 24 de agosto de 1954. Nunca o país assistira a tamanha comoção popular como a que veio logo após a divulgação da notícia: Getúlio Vargas se matara, em seu quarto, por volta de 8h30, com um tiro no peito.
Multidões saíram às ruas. Enfurecidos, manifestantes depredaram a sede da Tribuna da Imprensa, o jornal de Carlos Lacerda, mais furibundo dos adversários de Getúlio. Uma massa humana de 100 mil pessoas, a maioria em pranto incontrolável, desfilou diante do caixão do presidente, velado no próprio Palácio do Catete, sede do governo federal, no Rio. A imprensa noticiou que cerca de 3 mil pessoas presentes ao velório, vítimas de desmaios, mal-estares, crises nervosas e problemas de coração, precisaram ser atendidas pelo serviço médico do palácio. Na enfermaria, o estoque de calmantes esgotou-se em minutos. O país inteiro quedou em estado de choque. Ninguém esperava por aquele desfecho para a crise que se abatera como uma nuvem negra sobre o governo, apesar de o próprio Getúlio ter dito, dias antes, com todas as letras: “Só morto sairei do Catete”.
A pergunta que se fez à época, e que até hoje ecoa, exatos 50 anos depois, é uma só: afinal, por qual motivo Getúlio se matou? O que levou o presidente a puxar o gatilho de seu revólver, após apontá-lo contra o próprio coração? Que sentimentos insondáveis povoavam o homem Getúlio Vargas no instante daquele gesto que mudaria a história do Brasil? Como sempre ocorre, boa parte das possíveis respostas e certezas morreu junto com o próprio suicida. Mas, reconstituindo os fatos daquele aziago mês de agosto – mês de desgosto, no imaginário popular brasileiro –, é possível esclarecer os últimos momentos de Getúlio. Entre as tantas hipóteses, conjecturas e análises divergentes, uma coisa pelo menos é certa: o governo Vargas começou a morrer 20 dias antes, alvejado por outro tiro, este ironicamente disparado contra seu arquiinimigo Carlos Lacerda. Entre os dois tiros, um que atingiu o pé esquerdo de Lacerda, o outro que se alojou no peito de Getúlio, estão as respostas para a pergunta que não quer calar.
Na madrugada de 5 de agosto, pouco depois da meia-noite, Carlos Lacerda havia sido vítima de um atentado diante do portão do prédio onde morava, na rua Toneleros, em Copacabana. Dois disparos atingiram seu acompanhante, o major da Aeronáutica Rubens Vaz, que não resistiu aos ferimentos. Foi impossível não ligar o atentado da Toneleros às críticas virulentas disparadas diariamente por Lacerda contra o governo pelas páginas da Tribuna da Imprensa. Com a linguagem destemperada de sempre, Lacerda chegara a chamar o presidente de “monstro”, o deputado Lutero Vargas de “filho rico e degenerado do Pai dos Pobres” e Oswaldo Aranha de “mentiroso e ladrão”.
Carlos Lacerda escapou, por pouco, do atentado. Naquele mesmo dia exibiu, em seu jornal, as fotos de um ferimento a bala em seu pé esquerdo – ferimento cuja veracidade seria contestada depois. O prontuário do Hospital Miguel Couto, onde fora atendido, sumiria misteriosamente. Mas o estrago, àquela altura, já estava feito. “Acuso um só homem como responsável por esse crime. É o protetor dos ladrões, cuja impunidade lhes dá a audácia para atos como o desta noite. Esse homem é Getúlio Vargas”, escreveu Lacerda. A oposição tinha agora um cadáver, o do major Vaz, e seu principal representante, antes já suficientemente feroz, passara a agir a partir de então como um animal ferido.
“Esses tiros me ferem pelas costas”, reconheceu Getúlio. As principais suspeitas recaíram sobre Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente. Na manhã do dia 5, Getúlio chamou Gregório e indagou-lhe se tinha participação no episódio. Ele negou. À tarde, no Congresso, o líder da maioria, Gustavo Capanema, leu uma declaração assinada por Vargas: “Até agora considerava Lacerda meu principal inimigo. Mas agora o considero meu inimigo número 2; o número 1, aquele que causou o maior prejuízo ao meu governo, foi o homem que atentou contra sua vida”.
Contudo, os indícios e as investigações da trama logo apontaram para os corredores do Palácio do Catete. O fio do novelo começou a despontar logo no primeiro dia, quando um motorista de táxi que trabalhava próximo ao palácio apresentou-se voluntariamente à polícia e afirmou que levara, na noite anterior, um membro da guarda presidencial, Climério de Almeida, ao local do crime. Manifestações de protesto civis e militares pipocavam na capital federal, deixando o governo cada vez mais acuado. Cerca de 5 mil pessoas compareceram ao enterro de Vaz, enquanto Climério, em vez de prestar esclarecimentos, tratou de desaparecer do mapa.
No dia 8, com as acusações desabando sobre sua mesa de trabalho, Getúlio resolveu dissolver a guarda pessoal e franquear as dependências do Catete para as investigações. Tal atitude não satisfez a ira dos adversários. No Congresso, deputados da conservadora UDN (União Democrática Nacional), agrupados na chamada “Banda de Música” – assim conhecida pelo barulho que provocava em plenário com seus discursos inflamados e orquestrados –, passaram a exigir a renúncia de Vargas. Da Aeronáutica, a crise logo se alastraria para as demais corporações armadas. Durante todo o seu governo, Getúlio enfrentara a oposição dos militares, especialmente após ter nomeado, no ano anterior, João Goulart, o Jango, no cargo de ministro do Trabalho. Jango, considerado pelos quartéis um notório esquerdista, propôs um aumento de 100% no salário mínimo e acabou derrubado do cargo, por pressão dos militares.
A saída de Goulart do governo não afastara a desconfiança dos quartéis ou das forças políticas e econômicas mais conservadoras, que diagnosticavam no nacionalismo de Vargas uma perigosa “guinada à esquerda”. Assim, naqueles dias tormentosos de agosto, as forças civis e militares insatisfeitas com os rumos do governo vislumbraram a ocasião propícia para afastar, de uma vez por todas, Getúlio do poder. Fazendo coro à “Banda de Música” udenista, membros do Alto Comando das Forças Armadas decidiram bombardear a resistência do presidente. No dia 12, data da missa de sétimo dia do major Vaz na Candelária, foi instaurado na Base Aérea do Galeão um inquérito policial-militar, um IPM, sob o comando do coronel Adil de Oliveira. Apelidado de “República do Galeão”, o IPM deteve suspeitos, convocou testemunhas e, em poucos dias, selaria o destino do presidente.
Enquanto o IPM era instalado e o comércio do centro do Rio fechava as portas para celebrar o luto pelo major Vaz, Getúlio decidiu viajar para Minas Gerais, onde foi recebido com pompa e circunstância pelo governador Juscelino Kubitschek. Na inauguração de uma siderúrgica em território mineiro, faria seu último e contundente discurso: “Advirto aos eternos fomentadores da provocação e da desordem que saberei resistir”, disse o presidente ao microfone, emocionado, ao lado de um sempre sorridente JK. No dia seguinte, de volta ao Rio, encontrou o cenário ainda mais turbulento. Um pistoleiro, Alcino do Nascimento, havia sido preso e confessara ter atirado contra Lacerda por encomenda de Climério, ainda foragido. Mas o pior ainda estava por vir: pelo depoimento de Alcino, as suspeitas da autoria intelectual do atentado recaíam agora sobre Lutero Vargas, ninguém menos do que o filho do presidente.
Lutero, por recomendação expressa de Getúlio, apresentou-se espontaneamente ao IPM e renunciou à sua imunidade parlamentar, pondo-se à disposição das investigações. “Estou sendo vítima de uma torpe difamação”, diria ele ao país, por meio de uma rede oficial de emissoras de rádio. Mas, nos dias seguintes, uma sucessão de acontecimentos abalaria ainda mais as estruturas do Catete. Em 16 de agosto, com a tropa fora de controle, o ministro da Aeronáutica Nero Moura pediu demissão. No dia 18, Climério foi preso e confessou ter recebido ordens de Gregório Fortunato, cuja prisão já havia sido determinada pelo IPM no dia 15.
Há quem afirme que Fortunato, após sustentar outras versões, acabou assumindo a culpa pelo atentado contra Lacerda para proteger aquele que seria o verdadeiro culpado do crime, Benjamin Vargas, o “Bejo”, irmão caçula de Getúlio. O jornalista José Louzeiro, por exemplo, foi um que defendeu a hipótese em seu livro O Anjo da Fidelidade: A História Sincera de Gregório Fortunato. Segundo seu biógrafo John W.F. Dulles, Lacerda também tinha a firme convicção de que Bejo seria o mandante do crime. Seja como for, outras revelações do IPM, levadas a público no dia 18 de agosto, apontariam novas e suspeitas ligações de Fortunato com familiares do presidente. De acordo com documentos apreendidos no porão do Catete, no arquivo pessoal de Fortunato, o filho mais novo de Getúlio, Manoel Antônio Vargas, o Maneco, vendera ao Anjo Negro uma fazenda por 3 milhões de cruzeiros – quando o salário de Fortunato não passava de 15 mil cruzeiros mensais. Era a gota d’água. “Estou mergulhado em um mar de lama”, foi a frase atribuída a Getúlio naqueles dias de tensão sem trégua.
A revelação alquebrou as forças do presidente. Segundo o jornalista Glauco Carneiro conta em seu livro Lusardo, o Último Caudilho, Oswaldo Aranha encontrou Getúlio debruçado numa janela do Catete, de óculos escuros, procurando esconder os olhos vermelhos. “Reaja, você é um homem forte”, Aranha ainda tentou animá-lo. Mas o cerco se fechara. No dia 21, o presidente recebeu no palácio o seu vice, Café Filho, que dez dias antes havia se reunido secretamente com Carlos Lacerda e aderido à conspiração. Café propôs a Getúlio o que havia combinado anteriormente com Lacerda: a tese da renúncia conjunta do presidente e do vice. Getúlio, porém, desconversou. No entanto, seus dias de governo – e de vida – já estavam contados.
Em 22 de agosto, um grupo de brigadeiros divulgou um manifesto que exigia a renúncia imediata do presidente. Os almirantes se disseram solidários aos colegas da Aeronáutica e também pediram a cabeça de Getúlio. A posição do Exército viria logo depois, no dia 23. Um documento assinado por 27 generais circulou pelos quartéis e passou a ser entendido como uma espécie de ultimato: “Os abaixo-assinados (…) declaram julgar como melhor caminho para tranqüilizar o povo e manter unidas as Forças Armadas a renúncia do atual presidente da República”.
A notícia do Manifesto dos Generais, junto com a informação de que se tornara praticamente impossível controlar a agitação na caserna, chegou a Getúlio por volta de 0h daquele trágico 24 de agosto. A informação seria levada ao Catete pelo ministro da Guerra, general Zenóbio da Costa, e pelos também generais Mascarenhas de Morais e Odylio Denys. Exausto, Getúlio disse-lhes que convocaria uma reunião ministerial no dia seguinte para discutir a gravidade da situação. Mas o general Mascarenhas, apreensivo, aconselhou ao presidente que, mesmo levando-se em conta o adiantado da hora, era melhor que todos os ministros fossem tirados da cama e convocados imediatamente ao palácio. Getúlio compreendeu a urgência do caso, acatou a sugestão e ordenou que os assessores se concentrassem na tarefa de acordar o ministério com telefonemas disparados no meio da madrugada.
A tal reunião se arrastou, lenta, até depois das 4 da manhã, sem chegar a nenhuma conclusão. Alguns ministros sugeriram a resistência, apoiados pela palavra firme da filha do presidente, Alzira Vargas, que mesmo não sendo convidada invadira o salão ministerial e fizera questão de participar da reunião. Outros, a exemplo de José Américo de Almeida, ministro das Viações e Obras Públicas, afirmaram que a melhor saída, para evitar derramamento de sangue, seria mesmo resignar-se e submeter-se à renúncia. Impaciente, Getúlio abriu a agenda pessoal e rabiscou a seguinte nota: “Já que o ministério não chegou a uma conclusão, eu vou decidir. Determino que os ministros militares mantenham a ordem pública. Se a ordem for mantida, entrarei com um pedido de licença. Em caso contrário, os revoltosos encontrarão aqui o meu cadáver”. Aquela última frase da anotação, logo se saberia, não significava um esforço retórico, uma mera frase de efeito. Dias antes, em 13 de agosto, Alzira Vargas já encontrara um rascunho, escrito a lápis pelo pai, no mesmo tom: “Deixo à sanha dos meus inimigos o legado da minha morte”. No dia 23, véspera da reunião ministerial, o jornal getulista Última Hora, de Samuel Wainer, publicara uma manchete que também se anunciaria profética: “Getúlio ao povo: Só morto sairei do Catete”.
Após a reunião, sozinho em seu quarto, Getúlio não conseguiu pregar o olho. Foi procurado pelos familiares pelo menos três vezes entre o final da madrugada e o começo da manhã. Primeiro, Alzira levaria a ele a nota oficial redigida pelo ministro da Justiça, Tancredo Neves, anunciando a decisão presidencial de licenciar-se do cargo até que todas as acusações fossem devidamente apuradas. Getúlio não quis ler a mensagem e pediu para que o deixassem sozinho. Poucos minutos mais tarde, em duas ocasiões, o irmão Benjamin foi também até o quarto, agora para dar-lhe duas más notícias: o IPM estava convocando Bejo para depor imediatamente e os militares não haviam aceitado a idéia de uma simples licença. Os quartéis insistiam no afastamento definitivo do presidente.
Às 8h30 da manhã, ouviu-se um tiro. Os familiares encontraram Getúlio agonizante, o corpo sobre a cama, o buraco da bala pouco acima do monograma “GV” gravado no bolso do pijama, por onde o sangue corria aos borbotões. “Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada da resistência”, diria certo trecho da carta-testamento. Há quem diga que o texto não era de Getúlio e sim do jornalista José Soares Maciel Filho, que o escrevera sob encomenda. Porém, nesta história cheia de controvérsias, pontos obscuros e detalhes nunca esclarecidos, a autoria da carta é o que menos importa.
O fato é que, se houvesse sucumbido à renúncia, tendo em vista a sanha de seus adversários e as graves acusações que recaíam contra si e seus familiares, Getúlio teria sido alvo de um linchamento moral sem precedentes. “Getúlio tinha uma profunda consciência de seu significado como personagem histórico. Seu último e trágico gesto precisa ser compreendido dentro dessa dimensão”, afirma o historiador Jaime Pinsky, professor da Unicamp. Quer dizer: o suicídio foi um ato político. “Ele preferiu protagonizar um teatro de tragédia a submeter-se à humilhação e ao teatro patético que os adversários encenariam com sua renúncia”, diz.
Segundo o historiador Marco Antônio Villa, autor de Jango, um Perfil, e que atualmente trabalha na biografia política de Vargas, aos 72 anos ele apresentava um certo cansaço e uma indisfarçável solidão. “Durante todo aquele mês de agosto, ele se sentiu abandonado pelos antigos aliados. Com toda a sua história de vida, ele não se submeteria mais à renúncia ou à derrota final do exílio”, diz. Para o presidente, a única forma de impedir a humilhação de uma devassa em sua vida era o suicídio.
Outro ponto pendente é que, vivo, Getúlio, ou pelo menos sua família, teria de enfrentar a Justiça. “A chamada ‘República do Galeão’ prosseguiria fustigando-o, num processo que talvez culminasse com sua prisão ou a prisão de gente muito próxima a ele”, diz Marco Antônio. De fato, menos de um mês depois da morte do presidente, o IPM que investigava o atentado a Lacerda foi encerrado e o irmão de Getúlio, Benjamim, e o filho, Lutero, inocentados. O único culpado foi Gregório Fortunato.
Com o suicídio e a comoção nacional que se seguiu, Getúlio transformou seu nome em mito. “Não foi uma decisão fácil, mas a percepção que Getúlio tinha de si mesmo, de seu papel histórico, transcendia sua própria existência terrena, de carne e osso”, diz Jaime Pinsky. Assim, os que conspiraram contra ele tiveram que esperar dez anos para, só então, concretizar seus planos. Antes disso, apesar de algumas tentativas, não houve clima político nem apoio popular para tal. Só exatamente uma década depois a “Banda de Música” udenista e os mesmos militares que assinaram o Manifesto dos Generais conseguiriam chegar ao poder, após derrubarem o herdeiro direto do getulismo, João Goulart. Afinal, o golpe de Estado que o país assistiria em 1964 foi, em edição revista e atualizada, o mesmo que Getúlio adiou, em 1954, ao apontar contra o próprio peito o cano frio do Colt calibre 32 com cabo de madrepérola.
Agosto de 1954
Os 20 dias que mudaram o Brasil
Dia 5
Atentado da rua Toneleros: o majoraviador Rubens Vaz é morto o Carlos tacerda é ferido no pé. Getúllo Vargas convoca Gregório Fortunato. chefe de sua guarda pessoal, que nega qualquer envolvimento no episódio
Dia 6
Getúlio diz em nota oficial que irá apurar o crime e punir os culpados. Cinco mil pessoas comparecem ao enterro do major Vez. Militares realizam manifestação de protesto contra o atentado
Dia 7
O motorista de táxi Nelson Raimundo topes depõe na polícia e diz que o suposto autor do atentado, Climério Euribes de Almeida, membro da guarda palaciana, utilizou seu carro para fugir do local do crime
Dia 8
Getúlio é informado do envolvimento de Climério, que teria recebido dinheiro de Fortunato por meio do secretário da guarda. João Vicente de Souza. O presidente dissolve sua guarda pessoal. O ministro Nero Moura informa a Getúlio que a Aeronáutica está sublevada
Dia 9
Deputados oposicionistas – entre eis Afonso Aritios – faiOm violentos discursos na Câmara e exigem a renúncia de Getúilo. Tancredo Neves, ministro da Justiça, divulga nota em que diz que o presidente não deixará o governo
Dia 10
Numa reunião do Clube da Aeronáutica a tese da renúncia ganha força. Membros do Alto Comando das Forças Armadas dizem ao ministro da Guerra, Zenóblo da Costa, que recomende ao presidente para se afastar por conta própria, antes que eles o obriguem a isso
Dia 11
Getúlio diz a Zeiuóbio que não aceitará Gregório depõe na policia. A missa de sétimo dia pela morte de Vaz coincide com novos protestos civis e militares mio Rio de Janeiro
Dia 12
Instaurado inquérito policial-militar um IPM, para apurar o atentado. Getúlio vai a Minas Gerais para inauguração de uma siderúrgica. Lá, é recebido com festa pelo governador Juscelino Kubitschek. Ë seu último discurso e sua última aparição pública
Dia 13
O pistoleiro Alcino José do Nascimento é preso. Há suspeitas de que agiu sob ordens Indiretas do filho de Getúlio, Lutero Vargas. Este nega participação no crime, depõe voluntariamente no 1PM e abre mio de sua imunidade parlamentar
Dia 14
Cerca de 1 500 oficiais se reúnem no Clube Militar e exigem a renúncia de Getúlio. O secretário da guarda presidencial, João Vicente, confessa que facilitara a fuga de Alcino e de Climéri4 orientado por Fortunato
Dia 15
Pedida oficialmente a prisão de Gregório Fortunato
Dia 16
Com a tropa fora de controle, o ministro da Aeronáutica, Nero Moura, pede demissão
Dia 17
Climério é preso e com ele são encontrados 35 mil cruzeiros, em cédulas da mesma série de notas encontradas com Fortunato e Akino
Dia 18
Encontrados no arquivo de Fortunato papéis que o ligam a negócios suspeitos com o filho de Getúlio, Manoel Antônio Vargas. Carlos Lacerda escreve que o presidente está deposto moralmente, “pelo sangue quiJez derramar”
Dia 19
O coronel João AdiI de Oliveira, responsável pelo 1PM, diz não ter mais dúvidas de que o crime da Toneleros foi planejado dentro do Catete. José Antônio Soares, que intermedlara a contratação do pistoleiro~ também é preso
Dia 20
O Alto-Comando do Exército reúne-se e divulqa nota sobre a gravidade da situação. Orientado por Lacerda, o vice-presidente Café Filho leva aos chefes militares a hipótese da dupla renúncia
Dia 21
Café Filho propõe ao próprio Getúlio a renúncia de ambos. O presidente diz que vai pensar no assunto. Aeronáutica e Marinha se declaram em estado de prontidão
Dia 22
Manifesto dos líderes da Aeronáutica exige a renúncia de GetúiIo. Mascarenhas de Morais é enviado como mensageiro dos militares a Getúllo, que o rechaça e diz que só morto sairia do governo
Dia 23
“SÓ MORTO SAIREI DO CATETE”
A frase vira manchete do Última Hora, jornal getutista. Almirantes dizem que a Marinha apóia o manifesto dos brigadeiros. Generais redigem também um manifesto, considerado um ultimato a Getúlio
Dia 24 – As últimas horas do presidente
0h
Ministro da Guerra. general Zenóbio da Costa, chega ao Palácio do Catete. Traz um ultimato assinado por 27 generais, exigindo a renúncia
0h30
Da sala de despachos. Getúlio manda chamar os mintstros. Pega em uma gaveta uma folha datilografada, assina-a e a guarda no bolso. Os demais nem sabiam, mas era a carta-testamento. O presidente sobe para o quarto
1h
Ao redor do Catete. barricadas e soldadoS armados a postos para evitar uma invasão. Getúlio, fumando seu indefectível charuto, desce à Sala de despachos. pega a Caneta-tinteiro que estava sobre sua mesa de traba1ho e a entrega ao ministro da Justiça Tancredo Neves, pedindo que ele a guarde como lembrança daqueles dias
3h
Getúlio reúne o ministério. (Dos 12 ministros, um, Vicente Rao das Relações Exteriores – não compareceu além deles, estavam presentes a filha do presidente. Alzira, a esposa Darcy e os filhos Lutero e Manoel Antônio. Lá fora, aviões da aeronáutica davam rasantes sobre o Catete
4h
Os ministros não chegam a um consenso. Getúlio anota em sua agenda: “Já que o ministério não chegou a uma conclusão, eu vou decidir: (…) entrarei com um pedido de licença”.
4h20
Zenóbio sai apressado, para anunciar a decisão de Getúlio aos demais chefes militares. O presidente sobe para o quarto dizendo que vai tentar dormir um pouco. O ministério continua reunido e Tancredo escreve uma nota a ser divulgada à população
4h45
O ministro Oswaldo Aranha, Alzira e o próprio Tancredo sobem para submeter a nota a Getúlio. O presidente, de pijama de mangas compridas, recebe-os na ante-sala de seu quarto. O país é comunicado, pelo rádio, da decisão presidencial
6h
Dois oficiais chegam ao Catete, com uma intimação para Benjamin Vargas, irmão de Getúlio. Ele é acusado de ser o autor intelectual do atentado a Lacerda e se recusa a deixar o palácio. Ele sobe ao quarto do irmão, acorda-o e comunica o ocorrido
7h
O telefone toca. É o general Armando de Morais Âncora, que diz a Benjamin que o pedido de licença não era o bastante. Os militares, agora com apoio do próprio ministro Zenóbio da Costa, exigem o afastamento imediato e definitivo de Getúlio
7h30
Benjamin vai ao quarto de Getúlio e lhe comunica a reação dos militares. Getúlio diz que a situação é grave e pede ao irmão que desça ao andar de baixo e traga novas informações a respeito
8h05
Contra seu costume, o presidente sai do quarto de pijama e desce até seu gabinete de trabalho. Um dos assistentes nota que Getúlio volta para o quarto carregando algo volumoso no bolso do pijama: é uma arma – um revólver Colt calibre 32
8h15
Como fazia todas as manhãs, o barbeiro Barbosa entra no quarto de Getúlio. O presidente o dispensa. Diz que quer ficar sozinho para tentar dormir. O filho Lutero descansa em um sofá, na ante-sala do quarto do pai
8h30
O presidente senta na cama, põe o revólver à altura do peito e puxa o gatilho. O tiro acorda Lutero, que é o primeiro a entrar no quarto. Em seguida chegam dona Darcy, o médico Flávio Miguez de Mello e Alzira. Getúlio está com meio corpo para fora da cama, agonizante.
8h35
A arma ficou sobre a cama e, na mesinha de cabeceira, a carta-testamento. Ele morreria ainda deitado, em minutos
As muitas faces de Getúlio
Os fotógrafos tinham ordens de retratá-lo sempre de baixo para cima, para disfarçar a sua estatura. A despelto de seu 1,60 metro, do rosto rechonchudo e da proeminente barriga, Getúlio era um homem vaidoso, que soube como poucos cultivar sua imagem. Em viagens, sempre levava uma maleta com cremes, saboneteira, loção de barba e meias de seda. Fez do inseparável charuto uma de suas marcas registradas e protagonizou com a vedete Virginia Lane, à época “a dona das mais belas pernas do Brasil”, um tórrido romance.
Mas sua paixão era a política. Foi o presidente brasileiro que mais ficou no cargo: mais de 18 anos. Nesse tempo, encarnou vários Getúlios. Gaúcho de São Borja, nascido em 1882, ex-deputado e governador do Rio Grande do Sul, fez sua primeira aparição na vida política nacional em 1930, como líder revolucionário: após ser derrotado nas urnas pelo paulista Júlio Prestes, chegou à presidência com a derrubada de Washington Luís. Em 1937, instaurou o Estado Novo e passou a governar o país com mão-de-ferro. Surgia a figura do Getúlio ditador, cuja imagem de “Pai dos Pobres”sería construída pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP, incumbido de censurar os opositores e forjar oculto à personalidade do presidente. Sua política trabalhista, que culminou com a assinatura da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, ajudou a eternizar o conceito de político populista, carismático, de grande apelo junto às massas. Quando explodiu a Segunda Guerra Mundial, Getúlio flertou com o fascismo, com o qual seu governo se afinava ideologicamente, mas por razões econômicas apoiou os aliados. Em 1945. com o fim da guerra, tornou-se impossível sustentar a contradição de, por um lado, ter mandado soldados para lutar contra os nazi-fascistas e, de outro, manter uma ditadura. Pressionado pela opinião pública, Getúlio renunciou e seguiu para o auto-exílio em São Borja. Voltaria em 1951, embalado pela marchinha, sucesso absoluto do Carnaval daquele ano: “Bota o retrato do velho outra vez/ bota no mesmo lugar/ o retrato do velhinho faz a gente trabalhar”. Após tentar uma insustentável conciliação de forças políticas antagônicas, fez a opção por um governo nacionalista, no qual se destacariam a criação da Petrobrás e a bandeira do monopólio nacional do petróleo. Os novos rumos de Getúlio logo incomodariam militares, conservadores da UDN e o grande capital. Passou a ser retratado como o vilão que, atolado na corrupção, queria arrastar o país para uma república sindicalista. Era essa a imagem pública que carregava nos ombros em seus últimos dias. O tiro que deu no próprio peito, porém, o transformaria em mártir e o redimiria aos olhos da nação terrificada.
Saiba mais
Livros
O Segundo Governo Vargas: 1951-1954, Maria Celina Soares de Araújo, Zahar Editora, 1982 – Para compreender a crise de agosto de 1954
Brasil: de Getúlio a Castello, Thomas Skidmore, Paz e Terra, 1996 – Síntese da história política brasileira entre os governos de Getúlio Vargas e Castello Branco
A Era Vargas, José Augusto Ribeiro, Casa Jorge Editorial, 2001 – Da chegada ao poder ao suicídio, em três volumes
O Anjo da Fidelidade: a História Sincera de Gregório Fortunato, José Louzeiro, Francisco Alves, 2000 – Livro que defende Gregório da acusação de ter encomendado a morte de Lacerda
Sites
www.cpdoc.fgv.br. – Portal do Centro de Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas. Permite pesquisa online no acervo
www.museudarepublica.org.br. – Conheça a história do Palácio do Catete, cenário do suicídio de Getúlio
Fonte do texto: Revista Aventuras na História
Extraído do Blog Mania de História. Disponível em: http://maniadehistoria.wordpress.com/getulio-vargas-explicacoes-para-sua-morte
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